Livro 1: A criança surda e o desenvolvimento da linguagem (Livro Digital)

3.1 Estágios de aquisição da língua de sinais

São 4 os estágios de aquisição da linguagem apresentados por Quadros e Cruz (2011). Conheça, abaixo, cada um deles:

1 - Período pré-linguístico

Neste estágio de aquisição da linguagem, denominado período pré-linguístico

Do primeiro ao terceiro mês as crianças apresentam o que é chamado sorriso social, o choro já tem intenção comunicativa, há emissão de vocalizações e de produção manual. Estudos mostram que os bebês são sensíveis às estruturas das línguas naturais.

Do quarto ao nono mês inicia o balbucio (sons ou gestos) quando a criança começa a imitar as produções manuais produzidas pelas outras pessoas. Além disso, há o aparecimento das primeiras sílabas manuais. Por exemplo, quando a configuração de mão aberta no rosto pode significar “mãe” (Quadros e Cruz, 2011).

Você Sabia?

Você sabia que as crianças balbuciam independentemente das línguas às quais estejam expostas até o balbucio tornar-se mais estruturado?

A partir dos dez meses, as crianças começam a balbuciar somente os sons que ouvem ou visualizam. Elas começam a repetir sinais, com o intuito de formar as primeiras palavras. Da mesma forma que uma criança ouvinte fala “mama-papa”, as crianças surdas expostas à Libras desde cedo produzem essa repetição na língua de sinais.

Veja um exemplo desse processo no vídeo de um pai sinalizando em Libras para o bebê

É nesse período também que as crianças começam a mapear sons e significados e a ter uma percepção mais sofisticada das características da língua.

2 - Estágio de um sinal

O estágio de um sinal pode iniciar aos 12 meses e seguir até os 02 anos de idade. Como é uma fase bem inicial da linguagem, é comum que as crianças, mesmo as ouvintes, utilizem outras estratégias não verbais para conseguir estabelecer uma comunicação com as pessoas ao seu redor.

Por exemplo, nesse período, a apontação (apontar para um objeto), o olhar, o toque são formas usadas pelas crianças para indicar aquilo que ela deseja. É interessante destacar que, nessa idade, crianças ouvintes e surdas utilizam gestos para solicitar algo, mas independente disso, as crianças surdas com acesso à língua de sinais já produzem os sinais próprios da língua visual.

Uma característica do estágio de um sinal são as produções holofrásticas, onde uma palavra pode significar uma frase completa. Por exemplo, a criança surda pode fazer o sinal de ÁGUA e isso pode significar: QUERO ÁGUA, ESTÁ CHOVENDO, TOMAR BANHO, conforme o contexto em que está inserida e que envolva água.

Assista ao vídeo disponível no Canal “O diário de Fiorella”, no qual Fiorella dialoga com a mãe em língua de sinais e observe os recursos utilizados para a comunicação.

3 - Estágio das primeiras combinações

Geralmente, o estágio das primeiras combinações de sinais/palavras iniciam por volta dos dois anos de idade. É interessante mencionar que mesmo que a criança ainda não produza um grande número de combinações, ela é capaz de compreender as informações compartilhadas ao seu redor, isso porque a compreensão antecede a produção.

Quando falamos em primeiras combinações, estamos nos referindo à combinação de dois sinais, por exemplo: “QUERER BOLA”. As autoras Quadros e Cruz (2011) explicam que essas produções, mesmo que iniciais, já preconizam o uso da ordenação participação-verbo (EU QUERER) ou verbo-objeto (QUERER ÁGUA).

Ainda, segundo as pesquisadoras, essas manifestações demonstram a importância de adultos usuários da língua de sinais interagirem com a criança para que ela consiga interiorizar as regras da língua que está sendo exposta. Outros aspectos gramaticais, como concordância e sistema pronominal, ainda são inconsistentes nesse estágio. Por outro lado, o repertório lexical começa a expandir-se gradativamente e as crianças podem produzir de 50 a 400 palavras nessa faixa etária.

Lembra do vídeo que você assistiu no início deste capítulo? Da conversa entre a Fiorella e sua mãe? Nele é possível identificar esse estágio das primeiras combinações.

Se não recorda, assista novamente: 

4 - Estágio das múltiplas combinações

A partir dos 2 anos e meio e 3 anos, ocorre uma ampliação no vocabulário das crianças com cerca de 900 sinais, além da produção de frases curtas e um avanço no desenvolvimento da aquisição de aspectos linguísticos, como a utilização consistente de referentes presentes no discurso. Esse é o estágio das múltiplas combinações.

Com 3 anos e meio, o vocabulário da criança pode chegar a 1200 sinais. Nesse período, ainda é comum que consigam utilizar os referentes de forma consistente, além de produzirem as chamadas “supergeneralizações”, como as que acontecem em português quando as crianças falam “fazi” e “sabo” ao invés de “fiz” e “sei”.

Entre quatro e cinco anos, as crianças podem produzir cerca de 1900 sinais. Nessa fase, começam a contar narrativas mais complexas. Até os 07 anos de idade, espera-se que as crianças surdas tenham desenvolvido o sistema referencial da sintaxe da língua de sinais.

Por volta dessa idade as crianças já conseguem sinalizar fazendo referência a pessoas ausentes na conversa, porém, ainda é comum que não consigam marcar todos os referentes nos locais corretos. Isso pode ser chamado de empilhamento de referentes.

Como você sabe, a língua de sinais é visual e, portanto, utilizamos o espaço em nossa frente para estruturar a narrativa, assim, vamos alocando os lugares e as pessoas mencionados em determinados pontos que não devem se sobrepor.

Em seguida você pode acompanhar a sinalização de uma criança que ilustra o estágio das múltiplas combinações.

Na prática:

No vídeo, Florence está contando sobre a sua visita ao circo e utiliza a combinação de sinais próprias deste estágio

Você já conhecia as meninas surdas que aparecem no vídeo? Fiorella e Florença nasceram surdas em uma família de pais surdos. Elas são do Rio Grande do Sul e, desde os primeiros anos de vida possuem contato com a língua de sinais. Os pais delas compartilham muitos momentos incríveis no canal “O Diário de Fiorella”

Os vídeos publicados mostram o processo de aquisição da língua de sinais e a importância da interação com os pares surdo