Livro 2 - Alfabetização e letramento de crianças surdas (Livro Digital)
2.2 Os processos cognitivos de leitura
A partir dos anos 1970, a aprendizagem começa a ser explicada por modelos cognitivistas. A abordagem cognitivista aplicada ao ensino de segunda língua dá início a uma reflexão sobre os processos mentais implicados nas situações de aprendizagem e coloca em evidência o processo de tratamento da informação pelo aprendente leitor na busca do sentido de um texto. Outro aspecto importante que você precisa saber sobre os modelos cognitivistas é que eles estão centrados no aprendente, considerando-o como ator principal de sua aprendizagem.
A apropriação da leitura exige o desenvolvimento das habilidades de decodificar a palavra e de compreender o texto escrito. Trata-se de um processo ascendente que parte, progressivamente, da decodificação ou reconhecimento da palavra para chegar ao sentido do texto, passando pela aquisição, armazenamento e recuperação do significado da palavra; pela extração do sentido da frase, a partir das palavras e da estrutura sintática; pela percepção dos implícitos (isto é, daquilo que não está dito, mas subentendido) e postulação de inferências; para, finalmente, utilizar a estrutura do texto para organizar, armazenar e lembrar da informação.
Essas habilidades mobilizam os recursos da memória de trabalho do aprendente leitor. A memória de trabalho é a função cognitiva que possibilita o armazenamento e o processamento de informações ao realizar tarefas cognitivas complexas como a compreensão, a aprendizagem e o raciocínio (Baddeley; Logie, 1999). A memória de trabalho se divide em duas partes, uma destinada ao armazenamento das informações e a outra ao tratamento das informações (Baddeley; Hitch, 1974). Desse modo, se a parte da memória de trabalho responsável pelo armazenamento das informações ocupa muito espaço, o tratamento das informações fica prejudicado e vice-versa.
Mascarello (2018), por exemplo, adverte que o fato de uma criança decodificar as palavras, mas não as entender ou não lembrar do que leu pode ser um indicativo de que sua memória de trabalho está sobrecarregada e precisa ser melhorada.
Courtin (2002) explica que se o acesso à palavra é cômodo, o trabalho de reflexão sobre o texto se torna mais fácil, porque haverá mais espaço disponível na memória de trabalho. Por isso, é importante que você reflita sobre a questão da identificação das palavras pelo aprendente leitor surdo e conheça os modelos teóricos da leitura, a fim de pensar em alternativas para facilitar essa etapa da apropriação da leitura.
De uma maneira geral, os modelos teóricos da leitura preconizam o ensino da leitura pela via fonológica e sua indispensabilidade nesse processo, ou seja, necessariamente, por meio da decodificação grafofonêmica que parte da identificação dos grafemas para a sua conversão em fonemas. Roazzi (1999, p. 35) destaca que essa questão da imprescindibilidade da recodificação fonológica para a leitura é bastante antiga e ainda muito debatida.
Contudo, Perini (2013) alerta para o fato de que há surdos que se tornam bons leitores sem passar pela via fonológica e, por isso, defende que não há fundamentos para afirmar que é necessário conhecer a forma falada de uma língua para aprender a sua forma escrita. Nesta direção, surge a alternativa de adotarmos uma via logográfica (denominada também de direta ou visual) no ensino de leitura para o público surdo, em que a palavra é apreendida de uma maneira global por meio de um procedimento direto da letra para o significado.
Roazzi (1999, p. 35) explica que, na via lexical, “as pessoas reconhecem uma palavra como um padrão visual e aprendem uma correspondência direta entre as letras e a representação do significado sem haver necessariamente a intermediação de um código fonológico”. Assim, uma via lexical não exige do aprendente leitor surdo competências fônicas que ele não possui ou que ele possui parcialmente, mas as suas competências de aprendente visuoespacial.
Silverman (2005) descreve o aprendente visuoespacial a partir, entre outras, das seguintes características:
- competências visuais;
- pensar principalmente em imagem;
- ter uma memória visual prolongada;
- criar métodos únicos de organização;
- desenvolver suas próprias estratégias de resolução de problemas;
- aprender de maneira global;
- aprender por conceitos;
- apropriar-se dos conceitos do geral para o específico;
- aprender com mais facilidade as palavras na sua totalidade;
- visualizar as palavras antes de soletrá-las.
A seguir, você vai conhecer um pouco dos processos cognitivos envolvidos na escrita.