Livro 3 - Práticas de alfabetização e letramento para crianças surdas (Livro Digital)

4. Práticas sociais: compreendendo o uso da língua

Um dos pontos indispensáveis na alfabetização e no letramento de alunos surdos é a compreensão dos usos sociais da língua portuguesa. Alfabetizar ou letrar um aluno ultrapassa as explicações formais da língua. A associação entre a forma e a função das palavras faz parte das práticas de linguagem, tanto da leitura visual quanto da expressão escrita, como observado na Proposta Curricular para o Ensino de Português Escrito como Segunda Língua para Estudantes Surdos (PSLS).

Uma forma de desenvolver a compreensão das práticas sociais em que a língua está imersa é buscando identificar finalidades de mensagens empregadas em diferentes contextos comunicativos da vida cotidiana (Exemplo: solicitar informações, apresentar opiniões, informar, relatar experiências etc.) ou observar o modo como as mensagens contidas nos diferentes gêneros são produzidas, onde circulam, quem as produz, a quem se destinam e para quais contextos comunicativos. É importante, no entanto, aproximar essas experiências da vivência dos alunos surdos. Para isso, por exemplo, pode-se ofertar aos alunos os gêneros receita, lista de ingredientes, lista de compras e encarte de supermercado em uma mesma atividade de forma contextualizada, em que os alunos se apropriem também das práticas e das funções sociais que cada um desses gêneros cumpre.

Dessa forma os alunos podem visualizar receitas a partir de textos multimodais, como os exemplos a seguir.

Fonte: flickr.com/photos/julianaalia e instagram.com/mari.ilustra

Em seguida, os alunos podem observar quais ingredientes serão necessários para a produção da receita. A partir dessa atividade, essa mesma lista pode se tornar uma lista de compras, sendo acrescentado alguns itens para complementar o momento da refeição. Dando continuidade a atividade, o professor pode oferecer encartes de diferentes supermercados para que os alunos comparem preços.

É interessante que o professor realize a simulação das compras no supermercado e, por fim, realize a receita com os estudantes na escola, retomando a leitura do primeiro gênero lido.

Fonte: Rede Batista (2019)

Todas essas vivências serão vistas de outra forma pelos alunos surdos quando estiverem com seus familiares, pois entenderão o que está acontecendo naquele evento de letramento.

Na prática!

Uma outra forma do professor aproximar o gênero receita da realidade do aluno surdo é como a professora Doani Bertan faz em seu canal do YouTube Sala 8. No vídeo a seguir, a professora Doani apresenta o gênero receita como um texto que circula no âmbito familiar e, muitas vezes, passa de geração em geração. Solicita, assim, que os alunos escrevam uma receita que a família goste e depois produza o livro de receitas da sala.

Canal do YouTube Sala 8: Prática social do gênero textual Receita

Sabemos das dificuldades de os alunos surdos compreenderem as práticas sociais da língua portuguesa devido ao abismo que, muitas vezes, existe entre as práticas de letramento dentro e fora da escola.

A obra de Angela B. Kleiman (linguista conhecida por seus trabalhos sobre leitura e letramento) é uma leitura importante para professores da educação básica. Com uma linguagem simples, a autora aponta facetas dos usos da escrita que são relevantes nas práticas de ensino, mas que têm sido negligenciadas pelos professores; discute o processo de alfabetização e letramento, as formas como os professores devem atuar no processo de aprendizagem de seus alunos; e aborda a necessidade de os professores usarem recursos necessários para entrarem no cotidiano da vida dos alunos.