Módulo 1: Fundamentos da Educação Bilíngue de Surdos (Livro Digital)

1.1.1.1 Reconhecimento das línguas de sinais

No que se refere às línguas de sinais, os estudos de Willian Stokoe, ao longo da década de 1960, foram cruciais para que houvesse o reconhecimento do status linguístico das línguas de sinais. A partir dos estudos desse pesquisador, em meados de 1985 linguistas brasileiros passaram a se dedicar a pesquisas em torno das línguas de sinais no Brasil. Destacam-se aqui os estudos da linguista Lucinda Ferreira-Brito (Ferreira-Brito, 1993; Ferreira-Brito, 1995; Ferreira-Brito, 2012), que contribuíram para o fortalecimento dos movimentos sociais surdos na defesa pelo reconhecimento da Libras.

Dessa maneira, entre os anos de 1990 a 2000, o principal ponto de pauta dos movimentos surdos sinalizantes foi o reconhecimento da língua de sinais como uma língua legítima, dentro das regras da linguística.

Você sabia?

William Stokoe (1919 - 2000) é considerado o pai da linguística da American Sign Language - ASL (Língua de Sinais Americana). Ele trabalhou na Universidade Gallaudet, nos Estados Unidos, e lutou para preservar a língua gestual na comunidade surda. Em suas pesquisas, elevou o status linguístico das línguas de sinais a partir da análise de seus elementos constituintes, assumindo o pressuposto de que existem princípios gerais comuns a todas as línguas.

Conheça um pouco da história de Stokoe e a sua contribuição para o reconhecimento do status linguístico das línguas de sinais.

Você sabia?

Diferentemente das línguas orais, as línguas de sinais necessitaram, ao longo da história, de recursos jurídicos para o seu reconhecimento. As línguas orais, por sua vez, mesmo que ágrafas, são reconhecidas e catalogadas pela linguística. Assim, é incorreto afirmar que a Libras é a segunda língua oficial do Brasil. A Lei de Libras cumpre o papel de reconhecê-la como língua. Apesar de o Brasil ser um país plurilíngue, formado por diferentes povos, línguas e culturas, a língua portuguesa é o idioma oficial do território, conforme estabelecido na Constituição Federal.

 

A Lei 10.436 de 2002 - Lei de Libras (Brasil, 2002), reconhece juridicamente o estatuto linguístico da Língua Brasileira de Sinais.

Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

 

Em 2005 foi publicado o Decreto Federal nº 5.626 (Brasil, 2005), que regulamenta a Lei de Libras, e propõe, dentre outras medidas, que:

Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.

§ 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

 

Figura 1 - Linha do tempo da Educação Bilíngue

 

No que se refere ao Eixo Político da Educação Bilíngue, podemos dizer que o rompimento discursivo – e não formal – com o movimento das pessoas com deficiência[1] e à vinculação ao discurso étnico-linguístico[2], que defende a particularidade cultural dos surdos atrelada à particularidade linguística (Bär, 2019) passou a ser o norteador teórico-político da área.

Ainda, atualmente, as principais políticas públicas destinadas às pessoas surdas estão atreladas às políticas para pessoas com deficiência, a exemplo do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015), a Lei 8213/1991 (Brasil, 1991), que estabelece medidas para a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e para o amparo previdenciário e social, além da Lei 8742/1993 (Brasil, 1993), que trata, dentre outras medidas, do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) para idosos e pessoas com deficiência em vulnerabilidade social.

No âmbito das políticas educacionais, de modo geral, os recursos materiais e financeiros destinados às práticas de educação bilíngue são vinculadas, em sua maior parte, à Educação Especial, mesmo após a criação da modalidade de Educação Bilíngue de surdos. Podemos citar, como exemplo, o Decreto 7611/2011 (Brasil, 2011) que dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado, para o público alvo da educação especial.


Nota de rodapé:
[1] Dizemos rompimento discursivo e não formal posto que foi justamente a abertura jurídica e financeira proporcionada pelos movimentos das pessoas com deficiência que viabilizou condições financeiras para a busca de legitimidade jurídica da área.
[2] Conforme Assis-Silva (2012), a particularidade étnico-linguística da surdez refere-se à visão de que a comunidade surda possui uma identidade cultural e linguística única, destacando a importância da língua de sinais e da cultura surda. Isso envolve reconhecer a língua de sinais como uma língua própria e valorizar a cultura surda, incluindo suas tradições, história e identidade compartilhada. Esse reconhecimento é resultado de um processo que envolveu uma articulação entre diversos atores, como religiosos, representantes do movimento social, acadêmicos e profissionais do mercado, durante o período de tramitação da lei que reconhece a Libras e no movimento que a precedeu e sucedeu. Esses atores contribuíram para representar diferentes posições sociais e promover a inclusão e valorização da comunidade surda.