MÓDULO 3: Movimento e ludicidade na educação de surdos (Livro Digital)

2.5.1 A constituição da linguagem e as brincadeiras entre pares

A linguagem faz parte do desenvolvimento humano e com os surdos acontece através da língua de sinais. É a partir do desenvolvimento linguístico que o sujeito surdo compreende e interage no mundo que o cerca de forma dialógica (Nascimento, 2015).

De acordo com a autora, muitas crianças surdas, por nascerem em famílias ouvintes, têm contato tardio com a língua de sinais. Por isso, acabam desenvolvendo a linguagem de forma diferenciada quando comparadas com crianças surdas que tiveram contato com a língua de sinais desde cedo.

Ao pesquisar a respeito do uso de recursos linguísticos pelas crianças surdas, Góes (2002, apud Nascimento, 2015, p. 44) concluiu que “[...] as crianças [surdas] recorrem a gestos variados, expressão facial ou corporal e contato físico, muitas vezes sem o acompanhamento de sinais [...]”.

Quando a criança possui acesso a língua de sinais, ela consegue estabelecer uma comunicação para organizar sua brincadeira e, dessa forma, divide papéis e compartilha as etapas da brincadeira com outras crianças (Nascimento, 2015). Os sinais contribuem para a sua plena comunicação e socialização e, nas brincadeiras com outras crianças, são utilizados de forma mais intensa para a comunicação e a organização do brincar, como relata Silva (2006, p.128):

[...]As brincadeiras entre pares exigiam maior caracterização dos papéis representados e as crianças se utilizavam mais intensamente dos recursos expressivos e sinais, entre outros, para compor a cena lúdica”. Na verdade, o par (o outro) precisava entender de algum modo o que estava acontecendo, “quem encenava o que”, garantindo a continuidade da brincadeira.

Mas é observável que as crianças não fazem o uso intenso de sinais no decorrer da brincadeira, o que pode ser associado à falta de domínio, mas também ao fato afirmado por Góes (2002, apud Nascimento, 2015, p. 45) que “[...] o brincar envolve muitas ações com objetos, sendo que a necessidade de manuseá-los seria um obstáculo para a realização dos sinais”.

Algo interessante a se ressaltar é que nas brincadeiras das crianças surdas há uma representação de vários eventos cotidianos, que possuem sinais específicos, que nem sempre serão do domínio da criança, como descreve Góes (2002, apud Nascimento, 2015, p.45):

É presumível que as crianças [surdas] conheçam só parcialmente o discurso típico das pessoas transformadas em personagens (o médico, o bombeiro, as figuras de televisão), pois significam visualmente as ocorrências, deduzindo significados do contexto, das ações, dos gestos, das expressões faciais e de alguma leitura labial.

De alguma forma, a comunicação é estabelecida entre os pares de crianças surdas e não surdas durante o brincar. Essa comunicação e interação contribuem para o desenvolvimento de diversas habilidades que não seriam desenvolvidas caso a criança convivesse apenas com adultos (Nascimento, 2015).

Para a autora, no decorrer do brincar é possível observar momentos em que a criança brinca sozinha e momentos em que brinca com seus pares. A interação entre os pares, durante a brincadeira, contribui para a construção da personalidade e possibilita o compartilhamento de novos conhecimentos.

Em meio a essa rede interacional, a criança irá formando sua identidade, caracterizada pela sua apropriação singular de valores, normas e costumes do contexto social em que está inserida. Nesse processo em que assimilará esses elementos do seu meio, irá também transformá-los, configurando a sua forma particular de ser, fazendo com que seja vista como diferenciada em relação aos demais membros do seu grupo ao mesmo tempo em que é reconhecida como parte dele (Carvalho; Guimarães, 2002, p. 36).

A interação entre crianças surdas e ouvintes é importante para haver uma troca das experiências culturais vividas por cada uma, nas quais será construído o respeito com as particularidades apresentadas por cada criança, considerando os aspectos da realidade em que vivem. Também é possível visualizar uma caracterização de papéis, feita através do uso de gestos e sinais, quando a brincadeira é realizada entre pares.

Na prática

O livro Práticas e experiências bilíngues no cotidiano da educação de surdos, organizado por Aline Gomes da Silva e Flavio Eduardo Pinto da Silva e publicado pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES em 2022 apresenta experiências de professores na educação de crianças surdas.

Dentre as experiências relatadas no livro, destacamos duas, apresentadas no capítulo 1 e no capítulo 3 do livro e que complementam e ilustram os assuntos que abordamos neste material.

Trava-Libras: um relato de experiência em sala de aula com alunos surdos

Vamos pular Amarelinha?: corporeidade e ludicidade nas aulas de matemática para crianças surdas