Módulo 3: Conceitos matemáticos e metodologias para ensinar crianças surdas (Livro Digital)
2.2.1 Desenvolvimento do pensamento numérico
Segundo a BNCC,
“A unidade temática Números tem como finalidade desenvolver o pensamento numérico, que implica o conhecimento de maneiras de quantificar atributos de objetos e de julgar e interpretar argumentos baseados em quantidades. No processo da construção da noção de número, os alunos precisam desenvolver, entre outras, as ideias de aproximação, proporcionalidade, equivalência e ordem, noções fundamentais da Matemática. Para essa construção, é importante propor, por meio de situações significativas, sucessivas ampliações dos campos numéricos. No estudo desses campos numéricos, devem ser enfatizados registros, usos, significados e operações” (Brasil, 2018, p.268).
Nesta unidade temática, uma das habilidades sugeridas envolve registros verbais e simbólicos, sendo possível, na perspectiva bilíngue, trabalhar com a língua de sinais, o português escrito, símbolos matemáticos e registro escrito dos números.

A figura a seguir mostra um exemplo de atividade que pode ser desenvolvida com as crianças para trabalhar os números e a contagem de objetos.
Figura 1 - Soma e identificação da quantidade em Libras

Fonte: Oliveira; Dionysio (2023)
Segundo Oliveira e Dionysio (2023), utilizando um material como o apresentado na figura, “[...] é possível que os alunos tenham contato com a configuração de mãos, que representam os números. Dessa maneira, podem ser desenvolvidas estratégias de contagem, comparação entre quantidades, indicação de valores iguais, maiores e menores” (p.13)
Essa proposta vai ao encontro da sugestão apresentada pela BNCC para o desenvolvimento de habilidades no primeiro ano:
(EF01MA03) estimar e comparar quantidades de objetos de dois conjuntos (em torno de 20 elementos), por estimativa e/ou por correspondência (um a um, dois a dois) para indicar “tem mais”, “tem menos” ou “tem a mesma quantidade”.
Na pesquisa desenvolvida por Zanqueta e Nogueira (2017), as autoras confirmaram a hipótese de que, propor perguntas desafiadoras aos surdos, através de diálogos em Libras, possibilita alcançar ganhos qualitativos de pensamento.
Como a escola é o único local em que os surdos podem exercer sua língua de maneira plena, acreditávamos que a perspectiva dialógica da abordagem metodológica com o cálculo mental possibilitaria aos alunos trocas simbólicas praticamente inexistentes nas atividades educacionais cotidianas (Zanqueta; Nogueira, 2017, p.64).
No artigo, as autoras descrevem as atividades propostas com números e contagem utilizando o sistema de numeração decimal (SND), as respostas dos alunos e as análises e conclusões que puderam tirar delas. Por exemplo:
Ao ser solicitada pela professora/pesquisadora a prosseguir a contagem a partir de 798, Maria iniciou: “799, 799”, e ficou parada por uns instantes, balançando a cabeça como se não soubesse, até que sinaliza “7100”. Ampliamos o questionamento para o grupo e Luísa sinalizou: “800” e João ficou observando um pouco e só depois da resposta de Luísa, respondeu, sem muita convicção: “800”.
Esta situação, entre outras semelhantes, nos demonstrou que Maria necessitava de atividades específicas que favorecessem a (re)construção do SND, bem como o “auxílio” de recursos didáticos [...] (Zanqueta; Nogueira, 2017, p.70).
Em outro momento as autoras descrevem como “Luísa” explica qual era o número que vinha depois de 999:
[...] Luísa sinalizou 99 com a mão esquerda e encostando a mão direita, sinaliza rapidamente 0, 1, 2, ..., 9 (indicando 990, 991, 992,..., 999) e então, sinaliza 1.000 (sinal por sinal, inclusive o ponto). Pudemos inferir que o seguinte teorema em ação foi mobilizado por Luísa: Para descobrir o próximo número da sequência basta acrescentar mais uma unidade ao último anunciado. Nesse exemplo, fica claro as possibilidades pedagógicas da Libras no ensino do SND, pois os algarismos de um numeral, ao serem explicitados em Libras, são distribuídos espacialmente em suas posições, permitindo que a criança visualize diretamente o local de cada um desses algarismos do numeral, ao passo que, na língua oral, a criança precisa relacionar uma palavra (novecentos, por exemplo), com a posição do algarismo 9 no numeral (Zanqueta; Nogueira, 2017, p.76).
Nessa perspectiva, os alunos surdos são incentivados a explorar números maiores que a primeira ordem de milhar, a trabalhar a passagem da numeração falada para a escrita de números, a exercer a contagem, tanto progressiva quanto regressiva, com números que exigem mudança de ordem ou de classe, como passar do 999 para o 1000, em sua primeira língua, a Libras, obtendo ganhos reais em relação ao sistema de numeração decimal que utilizamos.
No decorrer do artigo, as autoras também tratam do cálculo mental, usando essa metodologia dialogada em Libras para problemas do campo aditivo.
Observe a representação em Libras do número 9.000 de duas maneiras:
Figura 2 - Representação em Libras do número 9.000

Fonte: Zanqueta; Nogueira (2017, p.67)
Ao fazer a datilologia algarismo por algarismo, qualquer pessoa poderá identificar esse número, no entanto sinalizando nove mil, somente quem conhece a Libras entenderá, ajudando o sujeito surdo a se apropriar do valor posicional do sistema numérico, principalmente no que se refere a números de maior valor.
Ao finalizar a pesquisa as autoras constataram que:
[...] a dinâmica instaurada de cálculo mental (dialógica) favoreceu a troca de ideias e o desenvolvimento da autonomia, proporcionando um avanço qualitativo do raciocínio; aumentou a coragem em enfrentar desafios e criar novos processos de cálculos (novo pelo menos para o aluno); aumentou a capacidade de concentração dos alunos nas aulas; concorreu para a compreensão do conceito e dos diferentes significados do número; favoreceu o domínio de números de ordens elevadas; colaborou para a compreensão, o enriquecimento e a flexibilização dos procedimentos algorítmicos (Zanqueta; Nogueira, 2017, p.85).
Saiba mais
Você conhece o canal MathLibras? Ele é fruto de um projeto desenvolvido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde acontece uma parceria importantíssima entre o Departamento de Educação Matemática e a Área de Libras do Centro de Letras e Comunicação, para a produção de vídeos com conteúdos de matemática em Libras.
No canal encontramos coleções de vídeos em Libras que tratam dos conceitos de comparação e classificação, que a criança precisa desenvolver, pois fazem parte da construção do conceito de número. A coleção sobre comparação é voltada para a criança surda, já a coleção de vídeos sobre classificação é voltada para a utilização do professor.
Vale a pena conhecer o material que o canal disponibiliza! Seguem os links para que você possa conhecer o material e também explorar os demais vídeos do canal.
