Aula 2 Ead - Evolução dos modelos de administração pública: do patrimonialismo aos desafios atuais 27/08/25

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Curso: 2025.2 - GESTÃO PÚBLICA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - Turma 01
Livro: Aula 2 Ead - Evolução dos modelos de administração pública: do patrimonialismo aos desafios atuais 27/08/25
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Data: Sunday, 23 Nov 2025, 03:24

1. Estado, Governo e Administração Pública

O conceito de Estado foi usado pela primeira vez por Maquiavel, em 1513, na obra O Príncipe. Ele representa uma organização que cria leis e cobra impostos, sendo a única capaz de impor regras a todos dentro de um território.

Para entender o Estado, é importante saber que ele tem três elementos principais: território, povo e governo soberano. O governo é o responsável por fazer o Estado funcionar e cumprir suas funções.

Imagine o Estado como um ônibus escolar. Ele tem a função de levar os alunos para a escola, mas precisa de um motorista (o Governo) para conduzi-lo. O motorista, no entanto, não consegue fazer tudo sozinho – ele precisa da ajuda de outras pessoas, como professores e funcionários da escola. Essas pessoas representam a Administração Pública.

A Administração Pública é o conjunto de órgãos, servidores e recursos que colocam as decisões do governo em prática, oferecendo serviços e promovendo o bem-estar da população. Ela é a estrutura que permite ao Estado alcançar seus objetivos, como prestar serviços públicos e melhorar a qualidade de vida da sociedade.

2. Modelos de Administração Pública

 

Ao longo da história, o Estado passou por diferentes formas de organização:

  • No início, tinha um sistema político absolutista;
  • No século XIX, evoluiu para um modelo liberal;
  • No século XX, adotou a democracia.

Quanto à administração, também houve mudanças importantes:

  1. Administração Patrimonialista: O Estado era tratado como propriedade pessoal do governante.
  2. Administração Burocrática: Criada para corrigir abusos do modelo anterior, com foco em regras e procedimentos.
  3. Administração Gerencial: Voltada para resultados e eficiência na entrega de serviços à sociedade.

Apesar de o modelo gerencial ser o mais moderno, características dos três coexistem até hoje na administração pública brasileira.

2.1. Administração Patrimonialista

 

No modelo patrimonialista, comum logo após o surgimento dos Estados nacionais, os bens públicos eram tratados como propriedade pessoal dos governantes.

Principais características do patrimonialismo:

  • Governantes usavam recursos públicos para benefício próprio;
  • Cargos públicos eram dados como favores a parentes ou aliados políticos (nepotismo e apadrinhamento);
  • Falta de separação entre bens públicos e privados.

Exemplo: governantes usavam imóveis públicos como se fossem suas casas.

Embora esse modelo seja considerado ultrapassado, ainda vemos traços dele, como cargos comissionados oferecidos a aliados políticos em troca de apoio.

2.2. Administração Pública Burocrática

O modelo burocrático foi criado por Max Weber no final do século XIX, durante a época do Estado Liberal. Ele buscava organizar a administração pública com mais eficiência e separar claramente o que é público e o que é privado, combatendo os problemas do modelo patrimonialista, como o nepotismo e a corrupção.

Nesse modelo, a administração é baseada em regras, hierarquia e procedimentos formais, garantindo que as decisões sejam tomadas de forma racional e organizada.


Principais Características da Burocracia

  1. Normas legais: Tudo é baseado em regras e regulamentos claros.
  2. Comunicações formais: As informações são registradas e oficializadas.
  3. Divisão do trabalho: Cada pessoa tem funções específicas.
  4. Imparcialidade: Relacionamentos profissionais são conduzidos sem favoritismo.
  5. Hierarquia: Existe uma ordem clara de autoridade.
  6. Padronização: Rotinas e procedimentos seguem padrões definidos.
  7. Meritocracia: Valorização da competência técnica.
  8. Especialização: Cada área tem profissionais capacitados.
  9. Profissionalismo: Os membros da organização são treinados para suas funções.
  10. Previsibilidade: O funcionamento da organização segue padrões estáveis.

Vantagens do Modelo Burocrático

  1. Racionalidade: As ações são guiadas por objetivos claros.
  2. Cargos definidos: Cada pessoa sabe exatamente suas responsabilidades.
  3. Rapidez: Decisões são tomadas com base em regras predefinidas.
  4. Clareza: Regulamentos são interpretados de forma única e objetiva.
  5. Uniformidade: Procedimentos são padronizados.
  6. Continuidade: A organização mantém estabilidade, mesmo com mudanças de pessoal.
  7. Redução de conflitos: Regras claras diminuem atritos entre funcionários.
  8. Estabilidade: Decisões consistentes em situações semelhantes.
  9. Confiabilidade: Decisões baseadas em normas são mais seguras.
  10. Benefícios organizacionais: Hierarquia, treinamento e meritocracia promovem eficiência.

Desvantagens do Modelo Burocrático

  1. Apego às regras: As normas podem se tornar o foco principal, em vez dos objetivos.
  2. Excesso de burocracia: Documentação e formalidades geram lentidão.
  3. Resistência às mudanças: Funcionários tendem a evitar mudanças e preferem seguir padrões antigos.
  4. Despersonalização: Relacionamentos entre colegas tornam-se impessoais, focados apenas em cargos e funções.
  5. Decisões rígidas: Falta de flexibilidade para resolver problemas de forma criativa.
  6. Rotinas limitadoras: Procedimentos fixos podem restringir iniciativas inovadoras.
  7. Sinais de autoridade: Hierarquias rígidas enfatizam diferenças de poder por meio de símbolos como títulos e posições.
  8. Dificuldade com o público: Normas internas podem dificultar o atendimento às necessidades externas, gerando insatisfação.

2.3. Administração Pública Gerencial

A Administração Pública Gerencial surgiu na segunda metade do século XX (décadas de 1960 e 1970) como resposta às mudanças sociais, econômicas e tecnológicas do período. A globalização, o desenvolvimento tecnológico e a ampliação das funções do Estado exigiram uma nova abordagem para a gestão pública.


Características da Administração Pública Gerencial

A Nova Gestão Pública (NGP) é marcada pelo enfoque gerencialista, que busca uma gestão mais eficiente e focada em resultados. As principais características são:

  1. Decisões orientadas a resultados: Foco estratégico para alcançar objetivos claros.
  2. Descentralização: Transferência de poderes para níveis inferiores, promovendo autonomia.
  3. Flexibilidade: Capacidade de adaptação a novas situações e demandas.
  4. Desempenho e produtividade: Pagamento baseado no desempenho dos servidores.
  5. Competitividade: Estímulo à eficiência, tanto interna quanto externamente.
  6. Direcionamento estratégico: Planejamento para longo prazo, com metas claras.
  7. Transparência e prestação de contas (accountability): Divulgação dos resultados e responsabilidade sobre as ações realizadas.

Além disso, outras características importantes incluem:

  • Delegação de decisões: Maior autonomia para gestores.
  • Separação entre política e gestão: Políticos definem direções; gestores implementam as ações.
  • Habilidades gerenciais: Valorização de líderes capacitados.
  • Terceirização: Uso de parcerias para serviços que não precisam ser realizados diretamente pelo governo.
  • Limitação da estabilidade dos servidores: Incentivo à contratação temporária e por resultados.
  • Estruturas diferenciadas: Organizações menos hierarquizadas e mais horizontais.
  • Foco no resultado: Ênfase nos objetivos alcançados, e não apenas no cumprimento de processos.

Foco no Cliente-Cidadão

A Nova Gestão Pública coloca o cliente-cidadão no centro das ações. O objetivo é atender às necessidades da população de forma eficaz, com serviços de qualidade e resultados visíveis.

Isso é alcançado por meio de:

  • Decisões descentralizadas: Promovem agilidade e eficiência.
  • Estruturas horizontalizadas: Redução da burocracia, favorecendo a inovação.
  • Criatividade e inovação: Incentivo a soluções flexíveis e modernas.

De forma geral, o movimento da Nova Gestão Pública é orientado para a satisfação das necessidades do cliente-cidadão e para o atendimento dos objetivos que a administração pública se propõe a atingir.

Estes propósitos são atingidos através de um sistema de decisões descentralizadas, com estruturas horizontalizadas e incentivos ao uso da criatividade, inovação e formas flexíveis de gestão.

No conjunto, o que se verifica é que a flexibilidade, o foco em resultados, a perspectiva do cliente-cidadão e de maior accountability, típicos do modelo gerencial, fazem com que a Nova Gestão Pública seja a mais adequada para a administração pública moderna, que precisa se adaptar às constantes mudanças no ambiente e manter o foco nos resultados da ação pública sobre a população. 

2.4. Modelos de Administração Pública Gerencial

A Nova Gestão Pública (NGP) propõe três principais modelos de administração pública gerencial, cada um com diferentes enfoques:


1. Modelo Gerencial Puro

Este modelo tem como objetivo principal a eficiência no uso dos recursos públicos.

Características principais:

  • Busca reduzir custos e maximizar resultados.
  • Define claramente as responsabilidades dos funcionários.
  • Aumenta a conscientização sobre o valor dos recursos públicos.
  • Baseia-se na lógica fiscal, ou seja, na melhor utilização do dinheiro público.
  • Instrumentos principais:
    • Avaliação de desempenho para medir resultados.
    • Controle orçamentário para garantir gastos adequados.

Histórico:
Embora os primeiros debates sobre eficiência na gestão pública tenham começado no século XIX nos EUA, o modelo gerencial puro ganhou força nas décadas de 1960 e 1970, consolidando-se como uma abordagem focada na racionalidade dos gastos.


2. Modelo Gerencial com Foco no Consumidor

Este modelo coloca o cidadão no papel de cliente dos serviços públicos, priorizando a qualidade, flexibilidade e atendimento às suas demandas.

Características principais:

  • Enfatiza a efetividade dos serviços públicos, mais do que a eficiência nos gastos.
  • Introduz a contratualização de resultados, ou seja, os órgãos públicos têm metas específicas a cumprir.
  • Maior foco na satisfação do consumidor dos serviços públicos.

Críticas:

  • O conceito de "consumidor/cliente" pode ser problemático, pois:
    • O cidadão não escolhe totalmente os serviços públicos, mas tem direitos e deveres como contribuinte.
    • O acesso a serviços públicos deve ser igualitário, mas nem todos têm a mesma capacidade de pressionar a administração para obter qualidade nos serviços.
  • Sugere-se substituir o termo "cliente" por cidadão, que engloba não apenas o consumo de serviços, mas também a participação política e o controle democrático sobre a gestão pública.

3. Modelo Gerencial Orientado ao Serviço Público (PSO)

Este modelo amplia o enfoque gerencial ao incorporar valores como transparência, equidade, cidadania e justiça.

Características principais:

  • Introduz o conceito de accountability (prestação de contas) na gestão pública.
  • Estimula a participação da sociedade na administração pública.
  • Promove a equidade na distribuição de serviços públicos.
  • Valoriza a cidadania como um conceito central, indo além da visão de cliente ou consumidor.

Destaques:
Este modelo busca um equilíbrio entre eficiência, transparência e justiça social, sendo considerado uma evolução dos modelos anteriores ao incluir questões políticas e sociais na administração pública.

3. Os 6 E´s: As dimensões do desempenho na administração pública brasileira

No gerenciamento de políticas públicas e serviços governamentais, é essencial compreender alguns conceitos fundamentais que ajudam a medir a qualidade e o impacto das ações realizadas. A seguir, explicamos os principais:

Eficiência

A eficiência mede como os recursos (insumos) são utilizados para gerar resultados (produtos e serviços). Esse conceito está relacionado à produtividade, ou seja, como realizar mais gastando menos recursos.
Um exemplo clássico é uma campanha de vacinação que se torna mais eficiente quando reduz os custos sem comprometer os objetivos estabelecidos. Indicadores de eficiência podem ser encontrados em sistemas governamentais, como o SIAFI, e nas Cartas de Serviços, que detalham compromissos e padrões de qualidade dos órgãos públicos.

Eficácia

A eficácia verifica se os objetivos planejados foram alcançados. Está diretamente ligada à quantidade e à qualidade dos produtos ou serviços entregues.
Por exemplo, se uma campanha de vacinação tinha como meta imunizar 100.000 crianças e alcançou esse número, ela foi eficaz. Assim como no caso da eficiência, os indicadores de eficácia podem ser encontrados nas Cartas de Serviços.

Efetividade

A efetividade avalia os impactos das ações realizadas e os resultados gerados na sociedade. Está relacionada ao grau de transformação promovido e à satisfação obtida.
Por exemplo, uma campanha de vacinação é efetiva quando, além de atingir a meta, consegue reduzir a incidência de doenças na população infantil. Esse é um conceito mais difícil de medir, pois seus efeitos costumam aparecer a longo prazo. Indicadores de efetividade são frequentemente associados à dimensão estratégica do Plano Plurianual (PPA).

Economicidade

A economicidade diz respeito à obtenção e ao uso dos recursos da forma mais econômica possível, mantendo a qualidade e quantidade necessárias.
Por exemplo, a economicidade ocorre quando o governo consegue adquirir vacinas de qualidade a um custo reduzido. Indicadores desse tipo geralmente estão presentes em departamentos de compras e suprimentos.

Excelência

A excelência está relacionada à conformidade com critérios e padrões de qualidade na execução de processos e atividades, buscando sempre a melhor eficiência e economicidade.
Indicadores de excelência podem ser encontrados em instrumentos de avaliação da gestão pública.

Execução

A execução verifica se os processos, projetos e planos foram realizados conforme o que foi previamente estabelecido.
Por exemplo, é possível avaliar a execução ao monitorar se todas as ações do Plano Plurianual (PPA) estão sendo implementadas conforme o planejado.

Resumindo...

  • Eficiência: Mede a relação entre recursos utilizados e resultados obtidos. Exemplo: reduzir custos de uma campanha sem comprometer os objetivos.
  • Eficácia: Verifica o atingimento das metas. Exemplo: imunizar o número de crianças planejado.
  • Efetividade: Mede o impacto e as transformações geradas. Exemplo: redução de doenças após a vacinação.
  • Economicidade: Refere-se ao uso racional e econômico dos recursos. Exemplo: comprar vacinas de qualidade por preços reduzidos.
  • Excelência: Avalia a conformidade com padrões de qualidade. Exemplo: adotar boas práticas na execução de serviços públicos.
  • Execução: Analisa a realização das ações conforme o planejamento. Exemplo: acompanhar o cumprimento das etapas do PPA.

4. Referências Bibliográficas

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CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública: Provas e Concursos, 5ª edição. São Paulo, Manole: 2018.

MATIAS-PEREIRA, José. Administração Pública: foco nas instituições e ações governamentais, 5ª edição. São Paulo, Atlas: 2018.

PALUDO, Augustinho Vicente. Administração Pública, 8ª edição. Rio de Janeiro, Editora Método: 2019