Módulo1: Ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos (Livro Digital)
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| Data: | Wednesday, 17 Dec 2025, 18:01 |
1. O ensino de Ciências Humanas
Até o final dos anos 1990, os estudantes brasileiros dos anos iniciais do ensino fundamental tinham sua formação na área de história e de geografia restrita aos chamados “estudos sociais”.
De maneira geral, os estudos sociais englobavam conhecimentos da área de história e geografia de forma superficial. Fruto de uma herança do período militar, não proporcionavam reflexão crítica sobre essas áreas do conhecimento, concentrando-se em datas comemorativas, memorização de nomes e feitos de personagens considerados ilustres. Consequentemente, legou-se a uma geração de crianças uma história eurocêntrica, branca e masculina, que pouco contribuía para a desconstrução de estereótipos e preconceitos arraigados na nossa sociedade.
Com a reabertura política, a promulgação da Constituição de 1988 e as reformulações no sistema educacional brasileiro proporcionados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), as disciplinas de História e de Geografia voltaram a figurar nos currículos escolares dos anos iniciais do ensino fundamental. No entanto, até hoje ainda percebemos que os resquícios dos estudos sociais permanecem.

Para Cainelli (2006) as investigações baseadas em Jean Piaget, fortemente vinculadas às generalizações sobre os estágios de desenvolvimento da criança, fizeram com que, mesmo com o retorno da História aos currículos após a ditadura militar, os conhecimentos históricos fossem relegados para os anos finais do ensino fundamental. Nessa perspectiva, acreditava-se que seriam necessários níveis de abstração mais desenvolvidos do que aqueles existentes em crianças do primeiro ciclo.
Ainda, segunda a autora, os estudos de Vigotski recolocaram em discussão a capacidade da criança de pensar historicamente desde muito cedo, a partir das suas experiências pessoais e familiares mediadas pela língua, o que torna possível pensarmos em formas de introduzir o conhecimento histórico ainda nos anos iniciais do ensino fundamental.
Antes de começarmos a falar sobre o ensino de ciências humanas para estudantes surdos em contextos bilíngues, vamos tratar sobre o que preveem os documentos legais que norteiam a educação em nosso país e também o que dizem as pesquisas acadêmicas acerca dessa temática.
1.1 Perceber e interpretar o mundo pelas Ciências Humanas
Para iniciar nossa conversa, é importante salientar o quão amplo é o conhecimento que abarca as ciências humanas. Podemos falar de história e geografia, mas também de filosofia, sociologia, antropologia, entre outras áreas de igual valor e importância. Por questões de delimitação curricular, oficialmente focamos no ensino de história e de geografia, mas sempre lembrando da importância de pensar a relação dessas duas disciplinas entre si e com as demais de forma interdisciplinar.

A interdisciplinaridade permite integrar saberes e práticas, superando a fragmentação do conhecimento. O trabalho interdisciplinar favorece a articulação entre tempo e espaço, cultura e natureza, sujeitos e contextos históricos, contribuindo para uma aprendizagem mais significativa.
Segundo Veiga (2003), a interdisciplinaridade rompe com a lógica isolada das disciplinas e promove a construção coletiva do conhecimento, valorizando a dialogicidade e a complexidade dos fenômenos sociais. Assim, o ensino de Ciências Humanas deve incentivar práticas pedagógicas integradas, que envolvam pesquisa, leitura crítica de fontes diversas e análise de temas contemporâneos, promovendo a formação cidadã e a compreensão do mundo em sua pluralidade.
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2018), nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o ensino de Ciências Humanas deve valorizar as experiências e vivências dos alunos, incentivando práticas como a escuta sensível, o lúdico e a exploração de diferentes espaços educativos.

A BNCC destaca a importância do desenvolvimento de procedimentos investigativos, como a observação, o registro e a análise de fontes históricas, que possibilitam aos alunos compreenderem a si mesmos, os outros e o meio em que vivem. Esse processo contribui para a articulação entre o espaço e o tempo vividos, fortalecendo o pensamento crítico e criativo a partir da realidade dos estudantes.
Você sabia?
Fontes históricas são todos os registros deixados por seres humanos e que servem de base para a construção do conhecimento histórico. Elas incluem desde documentos escritos até objetos materiais, imagens, relatos orais e registros digitais. O historiador analisa essas fontes para compreender os acontecimentos do passado, os modos de vida, as relações sociais e as transformações ao longo do tempo (Certeau, 1982; Bloch, 2001).

A análise das fontes deve considerar o contexto histórico de produção, a intencionalidade do autor, o público-alvo e a relação com os acontecimentos da época (Magnoli; Araújo, 2009).
Segundo Bloch (2001), o historiador precisa tratar toda fonte com espírito crítico, como se estivesse interrogando um “testemunho” do passado.
Os museus são espaços que abrigam e expõem fontes históricas, ou seja, objetos, documentos e outras evidências materiais do passado. Ao visitar um museu, as crianças podem ter contato direto com essas fontes, o que permite uma compreensão mais profunda e significativa da história.
Figura 1 - Crianças visitando um museu

Fonte: Flickr
1.2 As ciências humanas no Ensino Fundamental
Ao longo do Ensino Fundamental, o estudo das Ciências Humanas deve ajudar os alunos a observar pessoas, situações e objetos que mostram como a sociedade funciona. As disciplinas de Geografia e História contribuem para que os estudantes reconheçam a si mesmos e sintam que fazem parte da família e da comunidade.
No decorrer do Ensino Fundamental, os procedimentos de investigação em Ciências Humanas devem contribuir para que os alunos desenvolvam a capacidade de observação de diferentes indivíduos, situações e objetos que trazem à tona dinâmicas sociais em razão de sua própria natureza (tecnológica, morfológica, funcional). A Geografia e a História, ao longo dessa etapa, trabalham o reconhecimento do Eu e o sentimento de pertencimento dos alunos à vida da família e da comunidade (Brasil, 2018, p.355).
Ainda segundo a BNCC (Brasil, 2018) o ensino de Ciências Humanas tem como objetivo central desenvolver nos alunos a cognição contextualizada, articulando as noções de tempo, espaço e diversidade humana. Essa área do conhecimento valoriza o raciocínio espaço-temporal, entendendo que o ser humano produz e interpreta o espaço em que vive a partir de circunstâncias históricas específicas.
Ao utilizar múltiplas linguagens e abordagens interdisciplinares — históricas, geográficas e sociológicas —, o ensino busca romper com visões lineares da história e da geografia, promovendo uma leitura crítica dos fenômenos sociais e naturais. Além disso, estimula a ética, a responsabilidade social e o protagonismo, contribuindo para a formação de sujeitos capazes de compreender, intervir e transformar a realidade em que vivem, a partir de uma perspectiva crítica, reflexiva e plural.

Vamos ver agora, algumas competências específicas das ciências humanas a serem desenvolvidas nos anos iniciais do ensino fundamental sintetizadas em um quadro visual:
Quadro 1 - Competências Específicas de Ciências Humanas para o Ensino Fundamental

Fonte: Elaborado pela autora com base na BNCC (2025)
Na próxima sessão vamos ver alguns exemplos e sugestões de atividades para cada uma dessas competências, pensando especificamente nos contextos de educação bilíngue de surdos.
1.3 O ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos
O ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos demanda uma abordagem que respeite a singularidade linguística e cultural dos estudantes surdos.
O desenvolvimento linguístico da criança surda depende de como se deu o seu processo de aquisição da linguagem, ou seja, do momento em que teve acesso à língua materna, da qualidade das interações linguísticas na família e no ambiente escolar, entre outros fatores (Quadros, 1997).
Todos esses aspectos influenciam na capacidade de recepção e expressão da criança surda na sua primeira língua (L1), e consequentemente, nas possibilidades de aprendizagem de uma segunda língua (L2) e de conteúdos veiculados nela.
Muitos alunos são provenientes de famílias ouvintes não sinalizantes, ou vêm de contextos escolares ditos inclusivos, onde o único contato com a língua de sinais é por meio do tradutor e intérprete de língua de sinais. Atender alunos em níveis tão heterogêneos de aquisição de L1 e de L2 exige que o professor ponha em funcionamento diferentes tipos de linguagens nas práticas pedagógicas.
Mesmo atuando em escolas bilíngues, em que a língua principal de instrução é a Libras, é bastante desafiador para o professor pensar estratégias de ensino que alcancem todos os estudantes.
Por se tratar de crianças que estão em processo de alfabetização e letramento em uma segunda língua, é importante incorporar práticas pedagógicas que fomentem o contato com a língua portuguesa escrita de maneira contextualizada. Em nosso entendimento, a área de ciências humanas é um espaço privilegiado para o exercício da leitura e da escrita.
No entanto, precisamos repensar aquela velha fórmula da “pedagogia de folhinhas”, que intuitivamente somos levados a fazer com alunos surdos. Colar um sinal em Libras retirado de um dicionário de Libras e produzir inúmeras folhas de atividades não se constitui necessariamente como material didático bilíngue, justamente por não pensar no uso da língua em contexto, por não valorizar as habilidades de visualidade, espacialidade e comunicação na língua materna do estudante.
Veja o exemplo abaixo do tipo de atividade muito comum a que nos referimos:
Figura 2 - Exemplo de atividade sinalizada sem contexto

Fonte: busca livre da autora no Google (2025)
Apesar de ter a língua de sinais presente, não significa que estejamos, de fato, produzindo uma aula bilíngue. Esse tipo de material pode até servir de suporte, como uma forma de registro de conteúdos já trabalhados, mas não como uma ferramenta em si para a construção do conhecimento.
A mediação do professor sempre será parte fundamental de qualquer proposta pedagógica que pretenda atender às necessidades linguísticas dos alunos surdos. Por isso, é fundamental, que você, professora(or) aprenda Libras! Busque conhecer a língua de seus alunos para poder se inteirar de seu universo cultural e para mediar a aprendizagem de forma significativa.
Para aprofundar os saberes sobre o ensino de História e de Geografia, você pode assistir às videoaulas elaboradas para o curso Educação de Surdos em perspectiva bilíngue: teoria à prática de ensino, ofertado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Os vídeos estão disponíveis gratuitamente na plataforma eduplay.
Ensino de História:
Ensino de Geografia:
2. Metodologias para o ensino de ciências humanas nos anos iniciais com estudantes surdos
Pensar uma abordagem metodológica para o ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos demanda compreender os fundamentos epistemológicos das disciplinas que compõem essa área, bem como respeitar a singularidade linguística e cultural dos estudantes surdos.
A História, por exemplo, deve ser ensinada de maneira acessível, visual e contextualizada, priorizando a experiência sensorial e o espaço visual como elementos centrais da aprendizagem. Isso porque, “a cultura surda constitui-se na e pela experiência visual dos sujeitos surdos” (Quadros, 2008, p.17).
De acordo com Bittencourt (2018, p. 17),
"o ensino de História deve possibilitar ao aluno compreender o tempo histórico, as relações sociais e os conflitos presentes na sociedade".
Essa compreensão só é possível quando se parte da realidade concreta do aluno, algo essencial para os estudantes surdos, cujas experiências linguísticas e sociais são distintas das de alunos ouvintes.
Como defende Fermiano (2014), é preciso integrar teoria e prática em propostas pedagógicas que partam da vivência dos estudantes, promovendo a construção de sentidos a partir de seus referenciais culturais e linguísticos. Isso se articula com os princípios da Educação Bilíngue, que pressupõe o uso da Libras como primeira língua e do português como segunda, o que implica metodologias diferenciadas de ensino e avaliação.

Miceli (2021) destaca que o ensino de História precisa superar a simples narração de fatos para tornar-se um espaço de problematização e construção do conhecimento, propondo uma "pedagogia da História" que dialogue com o cotidiano dos estudantes.
Nessa perspectiva, como afirmam Eisenberg e Lemos (2009, p. 6), “reconhecer a cultura surda na escola é afirmar a legitimidade de um modo próprio de existir no mundo”.
No ensino de Geografia, por sua vez, destaca-se a importância de desenvolver nos estudantes a leitura crítica do espaço geográfico, promovendo a articulação entre o espaço vivido e os conceitos científicos.
Conforme defende Cavalcanti (2011) no texto Aprendendo a ler o mundo: a Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental, é fundamental ensinar a ler o espaço como texto, a partir de experiências concretas dos alunos e de seus territórios. A autora afirma que:
"a Geografia escolar deve ensinar a criança a ler o mundo, a compreender as relações sociais nele inscritas e a reconhecer-se como sujeito dessas relações" (Cavalcanti, 2011, p.43).
Essa leitura do mundo torna-se ainda mais relevante quando se pensa na Educação de Surdos, uma vez que os recursos visuais e a observação do espaço são elementos já presentes na forma como esses estudantes se relacionam com o meio.
O ensino de Geografia, nesse contexto, pode explorar mapas táteis, vídeos em Libras, maquetes e excursões, valorizando a observação e a construção coletiva do conhecimento. Nesse processo, é essencial reconhecer que a identidade surda é marcada pela experiência da diferença e pelo uso da Libras como língua de pertencimento.

A BNCC (Brasil, 2018) também reforça a importância da valorização da diversidade e da acessibilidade no ensino das Ciências Humanas, ao afirmar que a área deve “contribuir para que os estudantes compreendam os processos históricos e geográficos em sua complexidade, reconhecendo diferentes culturas, tempos e espaços como constitutivos das identidades individuais e coletivas” (p.387).
O ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos deve incorporar pressupostos interdisciplinares, que considerem a experiência visual e a construção identitária dos surdos como centrais para o processo educativo. Ao promover a articulação entre História e Geografia, e ao valorizar o espaço vivido, a memória, a linguagem visual e o pensamento crítico, essa abordagem se torna um instrumento potente de formação cidadã.
O desafio é garantir práticas que, além de acessíveis, sejam transformadoras e que respeitem os modos de ser e de aprender dos sujeitos surdos, promovendo não só o conhecimento acadêmico, mas também o fortalecimento de suas identidades culturais e linguísticas.
Para isso, a perspectiva bilíngue deve estar presente em todos os momentos do planejamento, desde a seleção dos conteúdos até a avaliação das aprendizagens.
Até agora vimos alguns pontos teóricos importantes sobre o ensino de ciências humanas na educação bilíngue, mas como podemos fazer isso na prática?
Na sequência veremos alguns exemplos de como podemos construir conhecimentos das ciências humanas em contextos bilíngues.
2.1 Visualidade no ensino de Ciências Humanas
É importante ter em mente que explorar a visualidade na educação de surdos precisa ir além da apresentação de imagens, o que envolve a utilização da língua de sinais e das referências culturais dos estudantes. Dessa forma, é importante utilizar estratégias que empreguem a língua de sinais e as características específicas de sua modalidade.
Nesse sentido, o letramento visual tem ganhado destaque nas práticas pedagógicas contemporâneas por reconhecer que a leitura do mundo não se restringe ao código verbal.
Segundo Tatiana Lebedeff (2006, p.18), “o letramento visual implica a capacidade de compreender criticamente e de expressar-se por meio de imagens, utilizando a linguagem visual como forma de pensamento e comunicação”. Esse entendimento amplia a noção tradicional de alfabetização, incorporando a leitura e produção de sentidos a partir de signos visuais como desenhos, fotografias, pinturas, gráficos, vídeos e outras representações imagéticas presentes no cotidiano dos estudantes.

Em um contexto de cultura digital e hiperconectividade, educar para a leitura crítica das imagens torna-se essencial para a formação de sujeitos autônomos, reflexivos e ativos no mundo.
Além disso, o ensino de ciências humanas no ensino fundamental precisa explorar aspectos lúdicos e que atraiam a atenção do público pré-adolescente, tão imerso em tecnologias, filmes, videogames e redes sociais.
Trabalhar a história meramente factual, que não possibilita ao aluno fazer relações com seu cotidiano e que, portanto, não atribui significado àquilo que se pretende ensinar, não gera motivação para ser aprendida. O que nos leva a refletir também sobre os objetivos e os compromissos do professor e da disciplina de história, que não é formar historiadores em miniatura, mas sim problematizar o presente dos alunos (Seffner; Pereira, 2008, p. 177).

De acordo com a BNCC, uma das competências específicas de ciências humanas no ensino fundamental é:
Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e diferentes gêneros textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação no desenvolvimento do raciocínio espaço-temporal relacionado à localização, distância, direção, duração, simultaneidade, sucessão, ritmo e conexão (Brasil, 2018, p.357).
É papel do professor criar estratégias pedagógicas que promovam a leitura crítica da imagem e o desenvolvimento da expressão visual. Como destaca Lebedeff (2006, p.18), “a escola precisa tratar a linguagem visual como linguagem e não apenas como recurso de apoio, proporcionando ao aluno condições para usá-la como forma de pensamento”.
A partir dessa perspectiva, práticas como a análise de propagandas, a leitura de charges, a criação de histórias em quadrinhos ou a interpretação de obras de arte ganham relevância ao possibilitar que os estudantes compreendam os discursos presentes nas imagens, ao mesmo tempo em que se tornam produtores de significados visuais. Tais atividades não apenas valorizam diferentes formas de linguagem, como também contribuem para o desenvolvimento de competências críticas e criativas essenciais na sociedade contemporânea.
2.2 Estudo do Meio
Uma boa possibilidade de pensar de forma interdisciplinar a área de ciências humanas é a utilização da estratégia estudo do meio.
O estudo do meio busca relacionar o conteúdo trabalhado em sala de aula com a realidade vivida pelos alunos, geralmente por meio de visitas a lugares de interesse pedagógico.
Abud, Silva e Alves (2010) reforçam que o Estudo do Meio, como prática pedagógica, é um importante recurso para integrar os conhecimentos de História e Geografia na realidade dos estudantes.
Essa proposta ganha potência na Educação Bilíngue de Surdos, pois permite que os alunos compreendam os processos históricos e geográficos de maneira sensorial, observando diretamente os espaços e estabelecendo relações com os conteúdos discutidos em sala.

A Proposta Curricular para o Ensino de Português como Segunda Língua para Estudantes Surdos (Brasil, 2021) orienta que o trabalho pedagógico considere práticas que possibilitem ao aluno surdo desenvolver a leitura do mundo, com ênfase no uso da Libras como ferramenta para o acesso ao conhecimento e à mediação do conteúdo em português. Isso significa, na prática, que os conceitos de tempo histórico, paisagem, território, sociedade e cultura devem ser ensinados de forma bilíngue, respeitando os modos de aprendizagem dos alunos surdos e utilizando suportes visuais e sinalizados.
Além disso, muitos surdos são provenientes de famílias ouvintes, nas quais a comunicação e a aquisição da língua ocorre de forma precária. Poucos alunos surdos têm a possibilidade de visitar espaços públicos de forma mediada, com acesso pleno às informações sobre esses locais e aos espaços de memória. Por isso, acreditamos que seja de suma importância proporcionar aos estudantes surdos atividades que envolvam saídas de campo, visita a museus, atividades em que o grupo de surdos possa conhecer juntos determinado local e vivenciar situações sociais na prática.
Para fazer um estudo do meio segundo a abordagem de Abud, Silva e Alves (2010), é importante seguir algumas etapas organizadas que envolvem planejamento, execução e avaliação.

No caso da educação bilíngue, é fundamental que na parte inicial de contextualização, o professor mostre imagens de onde será a saída de campo, do que cada um precisará levar, de como vai ser a ida e a volta etc. Essa mediação inicial em Libras é fundamental.
Na parte de finalização do estudo do meio também é importante registar a experiência em Libras através de vídeos, fotografias e cartazes expositivos. Pode-se solicitar também a produção escrita de um relato da visita, respeitando as singularidades do português como segunda língua.
2.3 Uso de tecnologias da informação e comunicação
O uso das tecnologias de informação e comunicação tem grande importância na educação bilíngue. Isso porque, a língua de sinais é uma língua espaço visual, ou seja, somente pode ser registrada por escrito através da escrita em sinais ou a partir de dispositivos de captura de imagem.
Como nem todos os surdos e nem todos os profissionais bilíngues dominam a escrita em sinais, as formas mais acessíveis de registro ainda são o uso de vídeos, fotografias, gifs, animações etc.
Vamos conhecer, na sequência, algumas possibilidades de usos desses recursos.
2.3.1 Vídeos
Podemos pensar no uso de vídeos como base para uma infinidade de estratégias na educação bilíngue.
É muito comum, quando assumimos uma turma de surdos, sairmos desesperadamente em busca de vídeos em Libras que expliquem determinados conteúdos. Acabamos frustrados porque na maioria das vezes não encontramos materiais de qualidade ou que estejam de acordo com aquilo que estamos trabalhando no momento.
De fato, buscar vídeos em Libras é uma opção para muitos casos, porém, não é a única! Com o amplo acesso a telefones celulares com câmeras, tablets e outros dispositivos de gravação, ficou muito mais fácil e prático incluir essas tecnologias no dia a dia da educação de surdos.
Mas, calma! Também não vamos propor que você sempre elabore roteiros, traduza e edite os vídeos (é uma opção, mas não é a única!). Que tal gravar os alunos ou pedir que eles próprios se gravem sinalizando?
Por se tratar de uma língua espacial e visual, fundada no movimento e na expressão corporal, a dramaturgia pode ser um bom atalho para atingir o público surdo, ávido por se comunicar e se expressar corporalmente.
Ora, se a língua de sinais exige do surdo essa potência expressiva, por que não aliar o ensino de história e geografia a essa habilidade já tão desenvolvida ou ainda por se desenvolver no estudante surdo?
Mas, não basta apenas colocar os alunos para encenarem peças de teatro, pois isso não os vincularia necessariamente ao conhecimento histórico e muito menos poderia ser considerada uma proposta bilíngue, pois estaria explorando apenas uma língua, a língua de sinais.
Podemos organizar metodologicamente as práticas em torno de uma sequência didática que envolva o trabalho com a fonte histórica escrita, o contato com o texto escrito dos mitos ou das narrativas literárias, por exemplo. Mas somente entregar os textos escritos não é suficiente. É importante fazer a leitura em conjunto, com mediação na língua de sinais e a discussão dos significados atribuídos pela turma.
Também podem ser oferecidos materiais complementares, como livros, revistas e materiais didáticos visuais, que demonstram exemplos da cultura visual e da iconografia de cada sociedade em cada período histórico.
Quando a turma estiver suficientemente ciente dos conteúdos dos textos e suas relações com os contextos históricos estudados, podemos partir para a escrita do roteiro do vídeo de forma esquemática. Uma alternativa é escrever no quadro branco ou no caderno as partes importantes da narrativa e o que deverá ser encenado para que a história seja bem contada.
A seguir, vamos te mostrar, na prática, um exemplo de atividade desenvolvida pela professora Gabriele Vieira Neves, na Escola Municipal Helen Keller, uma escola bilíngue de surdos localizada na cidade de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, com turmas de quinto ao nono ano do ensino fundamental, utilizando o recurso de produção de vídeos para explorar conceitos de ciências humanas.
Na prática
Nesta atividade, a professora trabalhou com duas modalidades de roteiros: os baseados nos mitos e os roteiros de autoria.
Os roteiros baseados nos mitos foram adaptações sinalizadas, seguindo os mesmos passos da narrativa original. Foi produzida a encenação do mito de Ísis e Osíris, da história das Mil e uma noites, do mito do Pomo da discórdia e da História da capoeira.
As histórias autorais foram embasadas na cultura e nas características históricas de cada sociedade que haviam sido estudadas previamente. Foi produzido o Ouro do faraó, uma história criada pela turma, onde os ladrões de tumba se envolvem em uma confusão assustadora ao tentarem roubar o ouro do faraó. Foram utilizados os elementos e estruturas das histórias egípcias, mas a partir de narrativas criadas pelos alunos, envolvendo um misto de mistério, terror e comédia. A descoberta do fogo também foi um vídeo sem roteiro original, no qual a própria turma foi desenvolvendo pequenas esquetes onde iam encenando suas aprendizagens.
Para a produção dos cenários e dos figurinos foram utilizados: material reciclável, papelão, pedaços de tecidos etc, a fim de reproduzir adereços e roupas semelhantes aos observados durante as pesquisas iconográficas. Essa parte da atividade permitia que até mesmo os estudantes com aquisição precária da Libras e da língua portuguesa pudessem contribuir com suas outras habilidades. Também eram momentos de grandes interações entre os alunos, discussões sobre as formas de construir os aparatos materiais, etc.
Figura 3 – Adereços, vestuários e cenários produzidos para as encenações
Fonte: Produzido pela autora (2025).
O momento da filmagem também era rico em trocas linguísticas e culturais. Para além da aprendizagem dos conteúdos, havia também o aprender a posicionar-se diante das câmeras, o encorajar-se a interpretar um personagem histórico ou mitológico, o participar de um trabalho coletivo.
A edição e legendagem dos vídeos foi realizada pela professora, com o auxílio de alunos. Após finalizado o trabalho, foi feita a socialização dos vídeos em sessões de cinema para todas as turmas, com direito aos erros de gravação e postagens nas redes sociais, enfim, o material foi colocado para circular. Também foram organizadas exposições das peças e adereços produzidos nas feiras de ciências e reuniões de pais.
Outro exemplo que podemos citar de uso de vídeos é o Projeto de Ensino de astronomia para surdos, realizado no IFSC - Câmpus Palhoça Bilíngue, que traz os próprios estudantes surdos como protagonistas do processo de ensino e aprendizagem.
As atividades foram realizadas com alunos surdos de ensino médio, mas podem ser adaptadas para turmas de ensino fundamental.
Saiba mais
Se você quiser assistir a outros vídeos do Projeto Astronomia, produzidos pelo Grupo de Estudos de Astronomia Bilíngue (GEAB), acesse o canal do projeto no YouTube.
Além disso, os vídeos podem ser utilizados como forma de registro de avaliação, de composição de glossários e sinalários, produção de quizzes e outras ferramentas digitais. Os vídeos podem também estar presentes vinculados aos materiais didáticos escritos por meio de QR Codes.
Veja um exemplo:

Quer aprender o sinal da Área de Ciências Humanas?
Acesse o QR Code acima e descubra!
2.3.2 Fotografias e imagens
Apesar de o vídeo ser a ferramenta mais eficiente para o registro da Libras, as fotografias também podem contribuir para o registro e mediação bilíngue.
Abaixo podemos ver um exemplo de uso da fotografia para construção de mapas sinalizados. As fotografias foram feitas com um celular e editadas em um programa de edição de imagens gratuito.
Figura 4 - Registro dos sinais das regiões brasileiras em Libras.

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Figura 5 - Mapa sinalizado dos continentes

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
A produção coletiva do mapa sinalizado, além de proporcionar o registro das aprendizagens em Libras, possibilita a interação entre os pares linguísticos, favorece a aquisição da língua de sinais e desenvolve habilidades de interação, comunicação e colaboração. Trabalhos em grupos são essenciais para que os surdos possam interagir na sua primeira língua, oportunidade que é usualmente escassa em um mundo majoritariamente ouvinte.
Figura 6 - Produção coletiva de mapa sinalizado

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Outro exemplo de atividades é o trabalho com edição de imagens históricas. Na figura abaixo foram utilizadas fotografias de obras renascentistas editadas no software Gimp, editor de imagens gratuito.
Além de aprimorar as habilidades de edição de imagens e manejo de tecnologias, a atividade estimula a imaginação histórica, a observação dos elementos da composição da imagem, etc. Devido ao nível de dificuldade, essa atividade seria mais pertinente para alunos de quinto ano, porém, pode ser adaptadas para turmas de anos anteriores no caso de o professor tirar as fotografias, imprimir as imagens que serão o fundo e pedir que os alunos recortem manualmente.
Figura 7 - Edição de imagens históricas

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Para a realização da atividade mostrada na figura 8, foi desenvolvido estudo dos figurinos da década de 1920 e solicitado que os alunos tentassem fazer réplicas de imagens e vestimentas antigas. Após a composição do figurino, foram tiradas fotografias e, posteriormente, foi feita a edição das imagens para que elas se aproximassem ao máximo de fotografias antigas.
Figura 8 - Exemplo de atividade de releitura e produção de fotografias históricas

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Além dos potenciais usos das fotografias, podemos também utilizar imagens não autorais para construção do conhecimento na área de ciências humanas.
Leituras de imagens e de obras de arte também podem ser um recurso importante para as práticas pedagógicas com surdos. Lembrando sempre que é necessário que a leitura de imagens seja mediada na língua de sinais, para que sejam atribuídos significados aos seus conteúdos.
Imagens do universo da cultura surda também são de grande importância. Você pode utilizar obras de arte de artistas surdos para refletir sobre vários aspectos do conhecimento histórico e geográfico. Relacionar a obra do artista surdo com o país onde ele vive, com eventos históricos ou características geográficas do país são formas de explorar os saberes das ciências humanas através das obras de artistas surdos.
Saiba mais
Conheça mais sobre artistas visuais surdos através do material disponibilizado no Curso História Visual dos povos surdos. Esse curso apresenta o movimento De´VIA, que é uma abreviação dos termos em inglês Deaf View Image Art e que aborda Imagem e Arte na perspectiva surda.
Assista ao vídeo abaixo e conheça algumas obras de artistas surdos:
E, se tiver interesse em aprofundar seus conhecimentos nesse assunto, vale a pena conferir também o site do Curso:
2.4 Jogos e atividades lúdicas
O uso de jogos tem se mostrado uma estratégia pedagógica eficaz para o ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois torna o aprendizado mais atrativo e significativo.
Ao incorporar elementos lúdicos ao processo educativo, os alunos se sentem mais motivados a participar ativamente das aulas e a construir conhecimento de forma colaborativa.
Os jogos educativos, para Celso Antunes (1998), são muito mais do que simples formas de entretenimento: são estratégias pedagógicas que promovem o desenvolvimento integrado das capacidades cognitivas. Conforme o autor, “o desenvolvimento das inteligências se processa de maneira mais acentuada quando premiadas pela oportunidade de estímulos” (p. 17).
Nesse sentido, o jogo assume uma importância singular no contexto escolar, sobretudo por sua condição de estímulo completo, capaz de ativar diferentes potencialidades — linguística, lógico‑matemática, espacial, musical, entre outras — simultaneamente.
Essa prática vai ao encontro da visão de Huizinga (2004), que defende que “o jogo é uma função significativa". Ele contribui para a formação da cultura, sendo uma atividade humana tão essencial quanto o pensamento racional”. Dessa forma, o uso de jogos e dinâmicas no ensino de História não apenas estimula o interesse dos alunos, mas também fortalece o desenvolvimento do pensamento histórico desde os primeiros anos escolares.
Na educação de surdos, o uso de jogos também se apresenta como uma estratégia valiosa para promover a aprendizagem significativa, especialmente no ensino de História. Ao utilizar recursos visuais, interativos e narrativos, os jogos educativos podem ser adaptados para respeitar a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e facilitar a compreensão dos conteúdos por meio de imagens, gifs, vídeos e animações. A ludicidade contribui para a quebra de barreiras linguísticas e favorece a participação dos alunos surdos em contextos de aprendizagem mais acessíveis.
De acordo com Strobel (2009, p.35), “é fundamental que o processo educativo do aluno surdo esteja ancorado em práticas visuais, bilíngues e interativas, que respeitem sua identidade linguística e cultural”.
Nesse sentido, os jogos, quando pensados de forma bilíngue, não apenas motivam os estudantes surdos, mas também valorizam sua cultura e ampliam suas possibilidades de interação com os conteúdos históricos e geográficos de forma crítica e envolvente.
Na prática
Vamos entender melhor como utilizar os jogos para o ensino de ciências humanas na educação bilíngue? E ainda aproveitar e conhecer um pouco mais da Libras?
Apresentamos abaixo um exemplo de jogo da memória que pode auxiliar estudantes surdos e ouvintes a aprender e praticar de forma lúdica os conhecimentos de conceitos históricos de forma bilíngue.
Observe que para a construção do jogo foram utilizadas estratégias mistas na formação de pares:
1) palavra em português e o sinal em Libras;
2) sinal em Libras e a imagem representativa;
3) sinal em Libras e sinal em escrita de sinais.
Esse tipo de jogo você pode realizar com os alunos de forma virtual, ou pode imprimir as peças e aplicar com a turma. Você pode iniciar, por exemplo, desafiando os alunos a fazerem a ordenação dos pares em uma primeira etapa, para conhecerem o vocabulário, e depois propor o jogo como jogo da memória.
Abaixo apresentamos um exemplo de jogo criado para ouvintes e que foi aplicado com turmas de surdos. Nesse caso, o material em si foi pouco adaptado, ficando apenas ao encargo da professora fazer a mediação em Libras.
Quando o professor domina a língua de sinais, muitos materiais que seriam para ouvintes podem ser utilizados com surdos. Esse é mais um motivo para você aprender Libras.
Figura 9 - Jogo da memória visual: Deuses Gregos

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Figura 10 - Dominó Visual: revisão de vocabulário do Egito Antigo

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Os Jogos de tabuleiro também são uma ótima opção para desenvolver conteúdos de forma bilíngue. No exemplo abaixo foi produzido um jogo de tabuleiro que, além de referências visuais, traz incorporados QR Codes com links para os vídeos das questões traduzidas para a Libras.
Figura 11 - Jogo de Tabuleiro

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Saiba mais
Se você quiser conhecer e utilizar esse jogo de tabuleiro que aborda assuntos de História, disponibilizamos o material para você aproveitar com seus alunos.
2.5 Atividades com materiais concretos
Na área de ciências humanas, podemos pensar em uma infinidade de atividades que explorem a transposição de conceitos abstratos para experiências concretas.
Vejamos abaixo alguns exemplos a título de ilustração.
A partir desses exemplos, você pode soltar a imaginação e, aliado aos seus conhecimentos da área de humanas, pensar em estratégias criativas.
1) Atividades que proporcionam a vivência de diferentes tipos de escrita em diferentes suportes materiais. Exemplo: Escrita cuneiforme em argila, escrita do próprio nome em formato de hieróglifos ou escrita em árabe, mandarim e outras línguas com alfabetos diferentes.
Figura 12 - Atividade com diferentes tipos de escrita

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
As atividades sugeridas podem ser utilizadas com turmas de quinto ano, contemplando:
2) Produção de artefatos, tais como réplicas de múmias, máscaras africanas, máscaras de teatro grego, elaboração de jóias e artesanatos indígenas etc.
Nas imagens abaixo você pode ver algumas experiências desenvolvidas em sala de aula com alunos surdos e também atividades elaboradas com estudantes do curso de Pedagogia Bilíngue Libras-Português do Câmpus Palhoça Bilíngue.
Figura 13 - Atividades com produção de artefatos

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Nessa sequência de exemplos podemos observar diferentes objetos de conhecimento previstos pela BNCC:
- O tempo como medida;
- O passado e o presente: a noção de permanência e as lentas transformações sociais e culturais;
- O papel das religiões e da cultura para a formação dos povos antigos, entre outros.
3) Trabalho com mapas em diferentes formatos, instrumentos de localização, telescópios, observação do clima e paisagem, uso de GPS e Google Maps etc.
No exemplo abaixo as crianças surdas estão jogando batalha naval como forma de apropriação do conceito de coordenadas geográficas.
Figura 14 - Jogo batalha naval

Fonte: acervo pessoal da autora (2025)
Essa atividade poderia se enquadrar no que dispõe a BNCC para o segundo ano do ensino fundamental:

2.6 Sequências Didáticas
As sequências didáticas são atividades organizadas de forma sequencial e articulada para atingir objetivos de aprendizagem específicos. Envolvem o planejamento de atividades que trabalham os conteúdos pedagógicos de maneira gradual e progressiva, através de abordagens que estimulam a participação ativa dos alunos.
Camila Oliveira Mattos (2016), em sua dissertação de mestrado, propôs algumas sequências didáticas para serem trabalhadas com turmas de surdos. A proposta é voltada para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental e preconiza a construção do conhecimento histórico em Libras.
Conforme a discussão bibliográfica empreendida na dissertação, a autora demonstrou que a Libras é uma língua plenamente capaz de constituir significados à materialidade, inclusive sentidos abstratos. A partir dessa compreensão, deteve-se na confecção de dois materiais que, embora estejam separados, são complementares: o texto ao professor e as sequências didáticas. Em conjunto, esses materiais visam desenvolver a percepção de tempo histórico, tendo como base a Libras e recursos imagéticos.
Mesmo que não seja voltado para os anos iniciais, nas sequências didáticas que Mattos (2016) apresenta, é interessante observarmos a utilização de elementos da cultura surda como base para a construção do conhecimento.
Apresentamos abaixo uma das sequências didáticas produzidas por Mattos (2016, p.104) como referência para pensarmos possibilidades de trabalho com crianças surdas na área de ciências humanas.
Quadro 2 - Exemplo de Sequência Didática
Fonte: adaptado de Mattos (2016, p.104)
Saiba mais:
Se você tiver interesse em conhecer outras sequências didáticas propostas por Mattos (2016), recomendamos que acesse a dissertação da autora. Ela apresenta sugestões de aulas para trabalhar o conceito de tempo com os alunos surdos.
Outra produção acadêmica que pode auxiliar você a ter ideias para o ensino de ciências humanas para surdos é a tese de doutorado de Fernanda Santos Pena, intitulada Educação bilíngue e geografia nas escolas de surdos. Nesse trabalho a autora se debruça sobre as práticas pedagógicas para o ensino de geografia em escolas bilíngues e apresenta sugestões de atividades que podem ser desenvolvidas. Vale muito a pena a leitura!
Para finalizar...
Para finalizar, queremos deixar algumas dicas de leitura como sugestão para você aprofundar os conhecimentos sobre o ensino das ciências humanas na educação bilíngue de surdos.
A primeira sugestão é o livro Educação bilíngue de surdos: desafios e perspectivas, organizado pelas autoras Celeste Kelman, Mariana Castro e Renata Razuck, publicado em 2024 pela editora Wak, que apresenta dois artigos sobre o ensino de história e ensino de geografia para surdos:

Um deles, escrito por Thabata de Oliveira e Celeste Kelman, tem como título Geografia com alunos surdos nos anos iniciais: corporeidade e imagens na elaboração de relatos (capítulo 8).
O outro, escrito por Paulo José dos Santos, intitula-se Saberes do ensino de História para os surdos (capítulo 9).
A segunda sugestão é a edição número 62 da Revista Espaço, periódico acadêmico e científico do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

Nessa edição temática, publicada em julho de 2025, a revista destaca propostas e experiências pedagógicas voltadas ao ensino bilíngue de surdos nas áreas de ensino de História, Geografia, Filosofia e Sociologia.
Reúne artigos que dialogam com os desafios e as possibilidades do ensino das Ciências Humanas para estudantes surdos, apresentando experiências em escolas inclusivas, bilíngues e em diferentes contextos do país.
Os autores compartilham práticas e reflexões que evidenciam o protagonismo surdo, a potência da Libras como língua de instrução e as contribuições de metodologias visuais e acessíveis.
Considerações finais
Neste módulo refletimos sobre o papel das Ciências Humanas na formação de estudantes surdos nos anos iniciais do ensino fundamental, especialmente em contextos bilíngues.
Começamos resgatando o percurso histórico das disciplinas de história e geografia, marcadas por um passado de ensino fragmentado e superficial durante o período dos “estudos sociais”. Avançamos para uma concepção crítica, proposta por documentos como a BNCC, que reconhece a importância de trabalhar a História e a Geografia a partir das vivências dos alunos, estimulando a investigação, a leitura do mundo e o pensamento crítico.
A partir dessa perspectiva, discutimos como o ensino das Ciências Humanas precisa ser adaptado às especificidades linguísticas e culturais dos estudantes surdos. Isso significa reconhecer a Libras como primeira língua e o português como segunda, o que exige metodologias visuais, acessíveis e culturalmente sensíveis.
Trabalhar com vídeos em Libras, mapas táteis, excursões, jogos, dramatizações e atividades concretas são estratégias que fortalecem o letramento visual e tornam o conteúdo mais significativo. No entanto, ensinar com base na experiência visual não se limita ao uso de imagens: é necessário promover mediações em Libras, criar espaços de expressão e ampliar o repertório cultural dos estudantes.
Por fim, exploramos práticas pedagógicas inspiradoras, como o estudo do meio, a produção de vídeos históricos com a participação dos alunos, o uso de QR Codes em jogos didáticos e a construção de materiais bilíngues.
Reforçamos que o ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos não se resume a adaptar conteúdos, mas sim a valorizar a identidade surda, construir sentidos compartilhados e formar sujeitos capazes de ler, interpretar e transformar o mundo em que vivem. E, para isso, é essencial que o(a) professor(a) domine a Libras e compreenda a cultura de seus alunos. Afinal, educar surdos em uma perspectiva bilíngue é, acima de tudo, um exercício de escuta, respeito e compromisso com a comunidade surda.
Referências
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VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 2003.
Ensino de Ciências Humanas na educação bilíngue de surdos
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[ Conteúdo ] |
Gabriele Vieira Neves [julho 2025] |
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[ Design instrucional ] |
Caroline Lengert |
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[ Design gráfico ] |
Jennifer Patricio Candido |
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[ Revisão Textual ] |
Ana Paula Flores |
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[ Equipe de Tradução ] [ Tradutor de Libras Surdo ] |
Gabriel Finamore de Oliveira Nicoly Danielski dos Santos Nicolly Neves |
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[ Equipe de Tradução ] [ Intérprete de Libras ] |
Jairo Nunes de Oliveira Neto Priscila Paris Duarte Tatiane da Silva Campos [coordenadora] |
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[ Revisão dos Vídeos em Libras ] |
Ueslei Paterno |
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[ Edição de Vídeo ] |
Andres Leonardo Salas Garces Lincohn Santos da Rosa |
Como referenciar este livro:
NEVES, Gabriele Vieira. Ensino de Ciências Humanas na educação bilíngue de surdos. 2025. Disponível em: https://moodle.ifsc.edu.br/mod/book/view.php?id=345165. Acesso em: dd mmm aaaa. [material digital].

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