Módulo 2: Literatura, linguagem e visualidade na educação de surdos (Livro Digital)

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Book: Módulo 2: Literatura, linguagem e visualidade na educação de surdos (Livro Digital)
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Date: Sunday, 24 November 2024, 11:11 PM

1. O que é linguagem?

Antes de iniciarmos nossa conversa sobre a literatura, a linguagem e a visualidade na educação de surdos, precisamos compreender o que significa linguagem.

De acordo com Saussure (2012), o pai da Linguística moderna, a linguagem é uma faculdade humana, é a capacidade que os homens têm para produzir, desenvolver e compreender a língua.

A linguagem pode se apresentar de diferentes formas, sendo, portanto, heterogênea e multifacetada, já que toda forma de comunicação é linguagem.

A linguagem pode ser individual, caracterizando uma especificidade do falante. Pode ser social, com características são comuns a um grupo ou comunidade, gerando aspectos físicos, fisiológicos, psíquicos e culturais. A linguagem se concretiza em todo sistema de símbolos convencionais que nos permitem realizar atos de comunicação, de representação da realidade e expressão do pensamento. A comunicação humana pode se dar nas linguagens verbal e não verbal:

Apenas a linguagem verbal permite o desenvolvimento pleno do pensamento no domínio da abstração, do raciocínio lógico, da memória e da generalização, presentes em construções linguísticas, possibilitando ao falante produzir frases inéditas a partir do domínio de sua língua.

Segundo Costa (2007), para Vigotski, é a linguagem que ajuda a criança a direcionar o pensamento. Uma criança que se comunica bem manifesta um pensamento organizado. Assim, podemos perceber que estimular a comunicação e as trocas linguísticas são fundamentais para a construção de um ser bem articulado, pensante, conhecedor dos valores ideológicos, dos padrões de comportamento social, tornando-se um ser mais criativo.

Socialize!

Você percebe esse processo de construção da linguagem e da organização do pensamento nas crianças com as quais você trabalha?

Quais diferenças e semelhanças você identifica na construção da linguagem pelas crianças surdas e ouvintes?

Compartilhe suas ideias com os colegas.

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Toda produção comunicativa se concretiza pela linguagem, no caso da linguagem verbal, seja oral, escrita ou gestual, os textos são produto da habilidade criativa do ser. A literatura é um desses produtos, revelando e perpetuando arte, cultura e criatividade.

Continuaremos nosso estudo conhecendo um pouco mais sobre a contação de histórias e a literatura.

1.1 A história de contar histórias

A história das narrativas orais se confunde com a história da humanidade.

Giordano (2007) e Moraes (2012) pontuam que a origem das narrativas orais é milenar e pode ter tido diferentes precursores, como os hindus, os árabes ou mesmo as civilizações ocidentais.

Giordano (2007) alerta que não existem provas concretas de qualquer paternidade. O que se pode afirmar é que a literatura oral perpetuou os contos na ausência da escrita, ao longo da história da humanidade, na voz dos contadores de histórias. A pesquisadora revela a influência das narrativas orais sobre os reflexos imagéticos, do poder infindável das palavras que criam redes imaginárias para criação de novos contos, de novas histórias.

No passado, o contexto social e as experiências do homem levavam à criação de muitos mitos revelados nos momentos das narrativas. Já no presente, encontramos a tendência da criação de contos. Fatores sociais modificam o conteúdo e as estratégias para as narrativas orais, mas é imutável o valor histórico que perpetua uma cultura e é inquestionável o poder envolvente e transformador que essas narrativas produzem em seus espectadores.

Você sabia?

Que os contadores de história também nasceram com a história da humanidade?

Para Giordano (2007) é difícil datar esse marco, pois configura-se em um período tão distante que nasce com o próprio conto e com o próprio homem e se conta em muitas histórias. Muitos desses homens aceitaram a incumbência de preservar a cultura de seu povo, suas tradições e mitos através das narrativas orais.

Saber da história e saber a história fazia parte do que se poderia chamar de “rituais”, como num ato de fé, por meio dos quais o conhecimento poderia mudar o curso dos acontecimentos de toda uma comunidade.

Segundo Giordano (2007), as palavras dos antigos contadores de histórias eram “aliadas ao extraordinário e ao mágico”, e ofereciam “asas” à imaginação. Os contos de tradição oral eram importantes ferramentas para perpetuação das tradições, como também momentos de reflexão, de trocas, de cumplicidade.

Além de abordar acontecimentos cotidianos, os contos também traziam para a roda acontecimentos sobrenaturais, fatos sem explicação que justificavam-se por mitos e crenças, que embutiam limites para além da compreensão da mente, mas que descortinavam o que preenchia o coração e alimentava a alma.

As narrativas orais se difundiram também como artefato cultural das pessoas surdas, em meio ao povo surdo e à comunidade surda. Isso mesmo, as narrativas orais! Entendemos como “narrativas orais”, no âmbito dos estudos das línguas de sinais, o momento da contação de histórias “face a face”, em que o narrador está diante de seus espectadores, produzindo ou reproduzindo narrativas, que podem ser ao vivo ou através de mídias visuais.

Essa trajetória histórica iniciou-se, segundo Mourão (2011), há milhares de anos, quando ainda não existia a escrita, e as histórias circulavam somente pela oralidade, passando de geração a geração. No caso da comunidade surda ou do povo surdo, essas histórias eram transmitidas através da sinalidade. Sendo assim, consideram-se narrativas orais oralizadas e narrativas orais sinalizadas.

Você sabia?

Que "sinalidade" é um termo usado em um estudo científico das Línguas de Sinais?

A pesquisadora Veridiane Pinto Ribeiro, em sua tese de doutorado intitulada A linguística cognitiva e construções corpóreas nas narrativas infantis em libras: uma proposta com foco na formação de TILs, defendida em 2016, usou o termo pela primeira vez, com o objetivo de se referir ao ato de se comunicar através de uma língua visuo-corpórea-espacial, no caso de sua pesquisa, a Libras.

Conheça a tese completa

Apesar da longevidade da existência das narrativas orais sinalizadas, os estudos e registros dessa temática são bastante recentes. O que vem sendo chamado de “literatura surda” ou "literatura em Libras", tem sido documentado atualmente por meio de tecnologias de mídia visual, ainda que os surdos já contassem e recontassem histórias, narrativas, piadas e vários gêneros literários em seus grupos na comunidade surda.

2. O valor da Literatura

A informação está cada vez mais ao nosso alcance. Mas a sabedoria, que é o tipo mais precioso de conhecimento, essa só pode ser encontrada nos grandes autores da literatura. Esse é o primeiro motivo por que devemos ler. O segundo motivo é que todo bom pensamento, como já diziam os filósofos e os psicólogos, depende da memória. Não é possível pensar sem lembrar – e são os livros que ainda preservam a maior parte de nossa herança cultural. Finalmente, e este motivo está relacionado ao anterior, eu diria que uma democracia depende de pessoas capazes de pensar por si próprias. E ninguém faz isso sem ler (Harold Bloom, 2001, p. 35).

A reflexão trazida por Harold Bloom, autor do livro “Como e por que ler” e um entusiasta da arte de cultivar apaixonados pela literatura, provoca-nos a perceber o valor que o ato de ler gera em nossas vidas. O indivíduo que tem contato com a literatura, tem contato com o mundo, pois ao alimentar-se de sabedoria, a imaginação deixa de ter fronteiras e passa a construir pontes.

O termo Literatura tem origem na palavra latina littera, cujo significado é “letra”. Textos literários são aqueles cuja forma de expressão artística revelam a imaginação, a criatividade, a emoção, a essência humana. Os textos classificados como literários podem ser encontrados em romances, contos, poesias, dramas e por aí vai.

 

O que nos chama a atenção no conceito clássico de “Literatura” é a origem do termo, que tem como significado “letra”. Com base nesse conceito, muitos escritores defendem que o que compõe a literatura é a “palavra”.

Palavra puxa palavra, uma ideia traz a outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies (Machado de Assis, 1883, online).

Esse trecho extraído do conto “Primas de Sapucaia”, publicado originalmente no jornal “Gazeta de Notícias”, por Machado de Assis, em 1883, demonstra o enorme valor que o escritor atribui à “palavra”, pois é através desse objeto simbólico que a literatura toma forma e vida pulsante.

A importância do contato da criança com a criação artística que tem a literatura como matéria-prima revela-se nas investigações de Vigotski (2014), que defendia as iniciativas para este contato em idade escolar, afirmando que o futuro do homem é conquistado através da imaginação criativa estimulada desde a mais tenra idade. O trabalho com a literatura infantil se faz essencial para o desenvolvimento da criança, quer seja em casa, na escola ou em espaços sociais, mas a escola tem papel fundamental nesse processo.

Costa (2007) também realizou estudos envolvendo as contribuições da literatura para o desenvolvimento cognitivo das crianças. A autora afirma que a literatura tem o poder de transformar texto em realidade no imaginário infantil, representando a viagem ao mundo que a criança conhece, convertendo-se em significado. O percurso que a literatura provoca no imaginário infantil pode ser representado da seguinte forma: realidade – literatura – realidade, um percurso guiado pelas experiências vividas, ouvidas, vistas e imaginadas, convertendo-se em significado, para, mais tarde, converter-se em criatividade.

 

Quando nos referimos aqui a crianças, independe de suas condições de interação com a literatura. Os fenômenos provocados pelos encantos literários se refletem em crianças surdas, ouvintes, cegas…, crianças que possam ter contato com a literatura de forma visual, auditiva ou tátil.

Para as crianças surdas, narrativas, principalmente em língua de sinais, no caso do Brasil, a Libras (Língua Brasileira de Sinais), são capazes de provocar esses efeitos imagéticos, construindo sujeitos criativos.

2.1 Literatura surda

A noção de literatura surda começou a circular em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, principalmente onde havia escolas de surdos, que tiveram papel fundamental nessa construção histórica e cultural.

Bahan (2006) menciona registros da trajetória histórica da literatura surda, passando por internatos e escolas de surdos, nas quais os surdos mais velhos contavam histórias para os mais novos.

Era comum a imitação de professores ouvintes, dramatizações, principalmente de filmes de faroeste (western) ou de guerras, isso porque esses tipos de filme apresentavam uma maior riqueza de ações que poderiam ser identificadas e interpretadas visualmente. O que começava como uma reprodução do que era assistido em filmes, transformava-se gradativamente em criatividade.

As histórias se misturavam com a imaginação dos surdos, que enriqueciam-nas com suas próprias vivências e muito senso de humor, algo muito peculiar em meio às narrativas surdas até hoje, deixando-nos esse legado cultural tão importante de ser perpetuado através de nossa prática pedagógica.

Você sabia?

Há vídeos publicados no Youtube com cenas de faroeste protagonizadas por pessoas surdas em Língua de Sinais Americana (ASL)?

Alguns deles mostram a habilidade fascinante das pessoas surdas em utilizar recursos visuo-corpóreo-espaciais sem sinais. Observe o vídeo a seguir:

Mas, foi somente a partir de 1864, com o advento da fundação da Universidade Gallaudet (Gallaudet University, localizada em Washington D.C.), que acadêmicos e pesquisadores surdos construíram significados em torno da literatura surda, com o objetivo de difundir esse artefato cultural entre seus pares surdos e ouvintes, disponibilizando materiais em comunidades surdas, em encontros de surdos, escolas de surdos, associações, enfim.

Visto que a Universidade recebe acadêmicos do mundo todo, coube a eles o papel de agentes multiplicadores em suas comunidades de diferentes países. Levavam consigo livros, vídeos, fotos e tudo que pudesse ser usado como registro da cultura da literatura surda.

Para Karin Strobel (2008), pesquisadora surda e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em sua obra "As imagens do outro sobre a cultura surda", a literatura surda é um dos artefatos culturais do povo surdo.

Nessa mesma obra a pesquisadora apresenta os conceitos de povo surdo e comunidade surda.

Povo surdo: comunidade composta por pessoas surdas, que compartilha dos mesmos interesses e modos de vida.

Comunidade surda: comunidade composta tanto por pessoas surdas, quanto por pessoas ouvintes, sejam ouvintes amigos, familiares ou profissionais da área de Libras que convivem com pessoas surdas.

Para Karnopp (2006), ao nos referirmos à "Literatura Surda", estamos tratando de textos literários produzidos por pessoas surdas em Língua de Sinais, direcionados aos surdos, em vista de preservar e fazer crescer a comunidade surda e seus traços culturais. Considera a literatura apresentada em ambas as modalidades: sinalizada e escrita de sinais, no caso, modalidade escrita da Libras, chamada de SignWriting.

Já para a pesquisadora Sutton-Spence (2021), a Literatura Surda é a Literatura em Libras. Mesmo que o texto não tenha origem em mãos surdas, tratando da vida e da cultura do povo surdo, sendo traduzida para Libras, faz parte da literatura surda, porque, segundo a pesquisadora, o que importa dentro dessa perspectiva é a língua de apresentação e o público-alvo.

Para saber mais sobre Literatura em Libras, conheça a obra de Rachel Sutton-Spence, publicada em 2021, pela Editora Arara Azul, e que está disponível para acesso gratuito.

Literatura em Libras

3. O fazer narrativo

A criança surda precisa ser estimulada, desde a mais tenra idade, em língua de sinais. A convivência e as trocas com seus pares linguísticos constitui uma riqueza cultural que contribui para a construção humana e social da pessoa surda e é fator preponderante para garantir seu pleno desenvolvimento.

Strobel (2008, p. 44) destaca que “a língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo, pois é uma das peculiaridades da cultura surda”. É essa a língua capaz de lhe transmitir e proporcionar a aquisição de conhecimento universal.

A família, a escola, a comunidade, todos compartilham seus saberes e crenças, suas histórias de vida. Mas é na escola, com o advento das ações inclusivas, com a presença do tradutor intérprete de Libras ou do professor bilíngue, que pode-se proporcionar ao surdo uma maior compreensão do mundo, através de uma comunicação visual-oral, ou face a face, conduzida por uma língua natural: a língua de sinais (Silveira; Silveira; Bonin, 2011).

Na fase da infância, a língua deve alcançar a criança por afinidade, de forma atrativa. Além do brinquedo, o momento do conto também pode ser um importante instrumento de estímulo à imaginação e a criatividade, e desencadear momentos de imersão no universo imagético. Se a experiência linguística for significativa, as narrativas podem ampliar o domínio linguístico da criança surda.

Azevedo (2006) chama a atenção para a importância da escolha da história e, também, para a qualidade das ilustrações, bem como para a performance do narrador, ou seja, para a forma como a história é contada, como é transmitida e como está estruturada. Alerta que, sem a arte da contação de histórias, a literatura fica empobrecida e o desenvolvimento da criança pode ser prejudicado.

Para Girardello (2014), os momentos de narrativas orais provocam no espectador a imaginação e a construção mental de novas imagens. Para ela, a escuta literária das crianças deveria ser tão intensa quanto a leitura literária dos adultos, ou até muito mais. Defende que essa escuta é o início do amor pela literatura, que “tanta felicidade e sentido poderá trazer à vida delas, nos seus anos de infância e futuro afora” (p.10).

Bahan (2006) considera grave que crianças surdas não tenham acesso natural às histórias. Essa falta pode lhes causar déficits nos níveis cognitivo, linguístico e emocional, dificultando a construção e o estabelecimento de sua identidade. Há que se respeitar a literatura, a literatura surda e o trabalho adequado às crianças surdas, com profissionais com competência linguística para atuarem como contadores de histórias.

3.1 O fazer narrativo que conta e encanta

Você já narrou uma história para seus alunos em Libras?

Será que há estratégias que podem nos ajudar a alcançar os objetivos, através da contação de histórias, com esses pequenos sujeitos de cultura visual?

As pesquisadoras Sutton-Spence e Kaneko (2016) buscaram respostas para essa questão. De acordo com elas, é preciso considerar o conteúdo e a forma na escolha da história, que poderão variar conforme os destinatários das obras, crianças, jovens ou adultos. Também é primordial que as contações de história aconteçam em Língua de Sinais, por narradores tradutores-intérpretes de Libras ou narrador surdo ou ouvinte usuário de Libras, que possam incentivar as crianças a ler e ensiná-las sobre a sociedade e a cultura que compartilham com as pessoas ouvintes.

Saber sinais, por parte do narrador, não garante uma narrativa que alcance e contagie a criança surda. Quando falamos sobre a importância de o narrador contar histórias em língua de sinais é preciso considerar seu nível de conhecimento e envolvimento com a história, bem como é preciso que seu nível de proficiência na língua de sinais seja suficiente para emocionar, empolgar e construir identidade cultural.

Espera-se que os narradores:

As sensações provocadas pelas narrativas orais tornam-se momentos de ludicidade e fantasia, de liberdade e imaginação, de prazer e encantamento. O compromisso do narrador quanto à competência de sua performance em um nível que alcance essas sensações deve ser muito sério. Em um trocadilho bem curioso “está em suas mãos”, e em toda a expressão corporal, ativar essas sensações e tornar vivas e significativas as experiências com narrativas infantis.

Fazendo uma analogia, tomando a fala de Costa (2007), sob a perspectiva de que “a literatura é a arte da palavra”, podemos dizer que, para as pessoas com cultura visual, as narrativas orais são a arte da sinalização.

3.2 O fazer narrativo no momento do conto

Sabemos que uma das atividades mais encantadoras na literatura é o “momento do conto”, quando o contador da história media a aproximação entre as narrativas infantis e a criança, valendo-se de diferentes estratégias com o objetivo de envolver a criança ou o grupo de crianças. Quando essa atividade acontece na escola, não se trata unicamente de um momento lúdico, um “intervalo para brincar”, trata-se de uma atividade essencial para o desenvolvimento linguístico e cognitivo da criança, capaz de construir nela a competência imagética necessária para ações de sua vida adulta.

O momento do conto, quando circulam as narrativas orais, é definido por Moraes (2012) como sendo "o ato de contar histórias". Três elementos básicos caracterizam essa dinâmica:

Karnopp e Machado (2006), a partir dos estudos sobre literatura surda, afirmam que as histórias e as representações da cultura surda são caracterizadas pela experiência visual e corporificada, e, quando apresentadas em livros para crianças, acontecem de um modo muito singular, onde encontram-se relacionados o enredo, a trama, a linguagem utilizada, os desenhos e a escrita de sinais (SW – SignWriting).

A forma como o narrador vai apresentar as relações de conduta para a criança também merece uma reflexão. Temáticas que fazem parte da construção da vida real de todo ser humano podem ser trabalhadas de forma lúdica e reflexiva na infância.

Algumas temáticas podem ser:

Recentemente, iniciativas voltadas para a criação de materiais acessíveis às crianças surdas, trazem uma série de temáticas a serem exploradas. Há projetos que produzem materiais em mídias visuais para computador e também para DVDs, favorecendo o acesso de crianças surdas às narrativas infantis, algo que até bem pouco tempo só se encontravam em livros impressos, nos quais a escrita configurava-se uma limitação para crianças não alfabetizadas e usuárias da Língua de Sinais, uma língua visuo-corpóreo-espacial.

Nesses materiais encontram-se os mais diversos gêneros textuais que podem ser trabalhados com crianças em idade escolar. Na visão de Costa (2007), a fábula é, provavelmente, o gênero textual que mais circula nos primeiros anos escolares, o mais popular, por configurar-se paradidático. Em geral, compõem-se de textos curtos, de personagens com comportamentos que fogem à realidade, como animais falantes, diálogos que instigam a criança a elaborar um ponto de vista, de reflexões através da “moral da história”.

Outro gênero bastante presente em sala de aula é o conto. Segundo a autora, esse gênero também é curto, contém uma única ação e compõe-se de um conjunto restrito de personagens, em tempo e espaço reduzidos, que vivem poucos acontecimentos. Os contos podem ser de diferentes tipos: contos de fada, contos do cotidiano, contos de aventura, de ecologia, além de contos que abordam problemas sociais.

Sobre os contos de fada, Bettelheim (1986) afirma que são compreensíveis para as crianças e possibilitam que elas vivam muitas aventuras imaginárias, por isso merecem ser explorados. Defende que a nossa herança cultural é retratada nos contos de fadas e, através deles, é comunicada à criança.

Bahan (2006) defende que os contos de fada orientam as crianças no sentido de descobrirem a sua identidade e vocação e sugerem quais as experiências necessárias para melhor desenvolverem o seu caráter. Por isso, as narrativas infantis são tão importantes. O autor afirma que as histórias possuem uma grande carga cultural e o momento da narrativa é uma oportunidade para transmitir essa herança às crianças.

Poesias em Libras também são textos que podem transitar nas propostas literárias. Os poetas surdos têm publicado em plataformas digitais acessíveis gratuitamente. Poetas como Fernanda Machado, Rosani Suzin e Nelson Pimenta encantam crianças e adultos, surdos e ouvintes, com produções fabulosas de Libras. As poesias revelam o ritmo, a rima, classificadores, metáforas e toda a construção visuo-corpóreo-espacial que a Libras é capaz de produzir.

São inúmeros os títulos narrados em Libras disponíveis para você trabalhar na prática da contação de histórias com as crianças, dentro e fora da sala de aula.

No site Cultura Surda é possível acessar histórias e contos, tanto oriundos do folclore brasileiro quanto de outros países.

 Site Cultura Surda

No site da Editora Arara Azul você encontra obras de Literatura em Libras, algumas gratuitas e outras disponíveis para aquisição. Vale a pena conferir o site e conhecer as obras.

 Editora Arara Azul

No Canal Os amiguinhos, no Youtube, você encontra uma playlist com Contos Populares em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

 Playlist contos populares em Libras

O projeto Librando, desenvolvido pela UFSC, compartilha a Literatura Surda em diversos gêneros literários, dentre eles a poesia surda. Vale a pena conferir.

 Projeto Librando - Poesias Surdas

3.3 O fazer narrativo e o texto

A escolha do texto envolve a coerência entre os objetivos didático-pedagógicos e a temática da narrativa. Portanto, é importante a escolha de um texto que apresenta conteúdo com boas ilustrações e um gênero que seja atrativo para os pequenos.

Durante as buscas para selecionar os textos, principalmente para trabalhar com as crianças surdas, você poderá encontrar diferentes formatos nas produções literárias. Mourão (2011) classifica essas produções como: traduções, adaptações ou criações.

Textos que apresentam roteiro idêntico ao clássico original e foram traduzidos para Libras são chamados traduções. Contos de fadas, folclóricos ou outros contos como: Alice no país das maravilhas, Iracema, O Alienista são alguns deles.

Já os textos classificados como adaptações são aqueles que partem de clássicos da literatura, mas, adaptando o roteiro, incluindo artefatos da cultura surda. Obras como "Cinderela Surda", "Rapunzel Surda" e "Patinho Surdo", são exemplos dessas adaptações.

A comunidade surda tem publicado suas inspirações em textos originais abordando o artefato linguístico da cultura surda: a língua de sinais. Esses textos são classificados como criação. Cláudia Bisol, pesquisadora ouvinte dedicada aos debates sobre educação inclusiva e educação de surdos, publicou em 2001 o conto infantil "Tibi e Joca”. O conto "Um mistério a resolver: o mundo das bocas mexedeiras" é outro exemplo de obra original que, além do texto em língua portuguesa, acompanha um DVD em Libras.

Além de escolher bem os textos, também é importante escolher boas ilustrações. Segundo Gregorin Filho (2009, p.54) “o texto visual cumpre um papel semelhante ao da função descritiva da linguagem; isto é, permite, por meio de uma intersemiose descrever objetos, cenários, personagens, etc.”.

Se as imagens forem de má qualidade não serão de grande auxílio para provocar o interesse e agregar informações às crianças. Dependendo da ilustração, é mais produtivo que as próprias crianças imaginem e produzam suas ilustrações para a história. “[...] A partir da transfiguração da realidade pela imaginação, o livro infantil põe a criança em contato com o mundo e com todos os seus desdobramentos” (Costa, 2007, p.63).

É importante que você, professor, disponibilize às crianças o acesso aos diferentes gêneros textuais, como poemas, contos, contos de fadas, fábulas, permitindo que manuseiem o texto, que reproduzam a história do seu jeito, com base no que entenderam e no que podem criar com base nas narrativas que conhecem.

Já apresentamos para você a obra Literatura em Libras, de Rachel Sutton-Spence. Nesse livro há um capítulo que trata especificamente da produção de poemas e poesias em Libras e que consideramos importante você acessar para saber mais a respeito desse assunto.

 Gêneros, tipos e formas de poesia em Libras

O site Portal de Libras também disponibiliza uma série de vídeos em Libras protagonizados por narradores surdos. Vale a pena conferir e incluir nos seus planos de aula.

 Portal de Libras: materiais literários

3.4 O fazer narrativo e o narrador

Se você está se preparando para trabalhar com narrativas infantis sinalizadas, determinadas posturas são imprescindíveis de serem adotadas. Para Dohme (2013), um narrador que permanece sentado, sem expressão facial e corporal, sem explorar todas as suas habilidades corporais com o objetivo de envolver o espectador na história, não pode ser considerado um bom narrador.

Fonte: Imagem do Projeto Era uma vez em Libras, cedida por Michelle Luisa Teixeira

A preparação do narrador é fundamental, pois seus gestos, voz e a escolha de suas estratégias devem estar coerentes com a narração, dando vida ao conto. Esses são detalhes fundamentais em se tratando de um público-alvo composto por crianças, pois, do contrário, é possível que fiquem confusas durante a narrativa e não compreendam claramente o texto.

É importante que o narrador esteja atento aos exageros, pois pode eles podem tirar o foco do roteiro e de pontos cruciais no corpo do conto. Precisa encontrar o equilíbrio para contagiar as crianças através de sua atuação interativa.

Na contação em língua de sinais o narrador precisa ter a sensibilidade de perceber que, em alguns momentos,  nenhum sinal é necessário, basta uma expressão facial para transmitir o sentimento daquele trecho às crianças. O narrador não pode ser uma pessoa inibida, precisa se desprender de qualquer limitação interpretativa que possa levar a um autojulgamento de estar sendo ridículo.

As contribuições de Rigolet (2009) abordam questões do trabalho com a literatura infantil. Com base em suas experiências com narrativas infantis, a pesquisadora apresenta alguns aspectos que NÃO são recomendados:

Essas estratégias podem reduzir drasticamente a possibilidade de a criança imaginar, de imprimir sua criatividade na construção da história, de criar formas, características e cenários. Circular com o livro pela sala não garante que todas as crianças tenham acesso à visualização de forma satisfatória, além de criar duas frustrações: a primeira, é a de não ser contemplada com a liberdade de criar seu próprio cenário para a história, e a segunda, de não ter uma visualização plena das ilustrações do livro.

Além do mais, isso pode levar à dispersão da atenção, à perda do interesse por não provocar nelas aquele mistério da sucessão dos acontecimentos, o suspense da intriga e todo encantamento que somente a musicalidade da narração pode garantir.

Então, quais são as estratégias ideais a serem adotadas durante as narrativas?

É ideal que o narrador esteja atento a:

Tanto crianças ouvintes quanto surdas podem fazer uma analogia entre o que imaginaram e a ilustração escolhida pelo autor. É possível que elas comentem umas com as outras sobre suas impressões do que imaginaram e do que foi ilustrado.

Nelly Coelho (2000) salienta a importância da exploração de recursos visuais no trabalho com narrativas infantis. Recomenda o uso de imagens em data show ao fundo, durante a narrativa, contanto que o narrador não seja o responsável por trocar as imagens. Então, se você costuma usar o data show como recurso visual, acertou em cheio!

Caso a história seja traduzida e interpretada por um tradutor-intérprete de Libras, sabe-se que ele não é o responsável pela seleção das histórias, mas pode ajudar o professor a selecionar temas que sejam de interesse não somente das crianças surdas, mas também das crianças ouvintes. Conhecer a história que será interpretada é importante para que esse profissional possa se preparar melhor para o momento de atuação.

O narrador, seja o professor ou o intérprete, pode e deve detalhar a descrição de cenários, personagens e organização espacial. Durante a interpretação da história, o narrador adota estratégias visuais que favorecem a identificação e a relação desses elementos. Esse processo ocorre primeiramente na mente do narrador, que precisa organizar a relação de sentidos no espaço de enunciação com o objetivo de chegar à percepção visual da criança de forma coerente e significativa.

Atividades planejadas de contação de histórias são importantes, pois partem de objetivos claros e ajudam a observar de forma mais focada o envolvimento das crianças. A forma como o narrador se dirige ao espectador provoca a interação e essa acontece em meio à narrativa, durante o fluir da imaginação. Mesmo que a criança não se manifeste em meio à narrativa, pode estar interagindo produzindo imaginação.

Observar o comportamento da criança surda enquanto o narrador intérprete de Libras traduz e interpreta as histórias pode ser um momento rico de descobertas e de produção de novos significados na atividade de narrativas infantis.

Ao final, o narrador pode oportunizar diferentes formas de interação sobre a narrativa, oferecendo oportunidades para a criança se posicionar e expor seu conhecimento. Isso pode contribuir para tornar a criança mais proativa e produtiva, desinibida e participativa. Um adulto com esse perfil tem mais chances de agir sobre sua realidade e contribuir em sua comunidade.

3.5 O fazer narrativo e o espectador

A literatura infantil acessa um mundo imaginário, onde o leitor dá vida às histórias em sua mente. À medida que recebe as informações, a criança pode transformá-la em relações de significado e pode ampliar sua enciclopédia mental.

Morgado (2011) defende que transmitir a literatura à criança é dar-lhe a possibilidade de ascender ao mundo exterior, ao conhecimento e expandir seus horizontes no contexto cognitivo, linguístico e cultural. Dessa forma, justifica-se transmitir a literatura o máximo possível para que se possa desenvolver o máximo possível do potencial infantil.

Ao trabalharmos a contação de histórias, encorajamos as crianças a mergulharem em um mundo de experiências e habilidades imagéticas. Assim, conseguimos perceber seus olhos brilharem e sua imaginação “ganhar asas”.

Fonte: Imagem cedida pela professora Michelle Luisa Teixeira

Podemos dialogar com as contribuições de Vigotski em sua obra “A formação social da mente” (Vigotski, 2007). Ao defender a valorização do brincar na infância, o estudioso afirma que “a ação numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação” (p.110).

A percepção visual é o canal de conexão entre o mundo e o significado. Experiências cotidianas atraem a atenção da criança, que está atenta a tudo. Curiosa, questionadora, faz dos olhos ferramenta de observação e da língua ferramenta de constatação, à medida que as trocas linguísticas a levam à compreensão.

Na prática

O projeto de extensão "Era uma vez em Libras" promoveu a disseminação da Libras - Língua Brasileira de Sinais - e da cultura surda através da contação de histórias realizadas em Libras e em Língua Portuguesa, para crianças surdas e ouvintes, utilizando-se de elementos visuais, criativos e interativos, através dos quais as histórias foram sendo compostas enquanto eram contadas.

Foi desenvolvido no período de setembro a novembro de 2022 por sete acadêmicas do curso de Licenciatura em Pedagogia Bilíngue (Libras-Português), do IFSC Câmpus Palhoça Bilíngue, orientadas pela professora Ana Paula Jung.

As contações de história aconteceram em escolas dos municípios de Palhoça e de Santo Amaro da Imperatriz (SC), na biblioteca do Estado de Santa Catarina, em Shoppings Centers da região metropolitana de Florianópolis (SC), assim como também em eventos no Câmpus Palhoça Bilíngue do IFSC.

As acadêmicas participantes, além da possibilidade de troca e aprendizado, puderam aprofundar estudos e reflexões sobre o fazer docente e sobre a contação de histórias, colaborando para a divulgação da cultura surda, da Libras e do curso de Licenciatura em Pedagogia Bilíngue (Libras-Português) junto à comunidade externa.

3.6 O fazer narrativo em sala de aula

Imagine a seguinte situação:

Você está com sua turminha na sala de aula e hoje é dia de contação de histórias.

Você já planejou sua aula e traçou seus objetivos.

Selecionou a temática coerente com tudo que planejou.

Preparou-se para a contação da história, estudando o texto e a tradução e interpretação em Libras.

Escolheu um adorno para chamar a atenção das crianças e solicitou o data show para projetar imagens da história, evitando que você interrompesse o momento do conto mostrando imagens.

E agora, chegou a hora de iniciar a história!!

Para te ajudar na construção desses momentos tão importantes no processo didático-pedagógico dos pequenos, vamos sugerir algumas ideias e apresentar propostas e experiências para o uso da literatura infantil.

O livro Cinderela Surda conta a história de uma princesa surda que se apaixona por um príncipe também surdo. No lugar do sapato de cristal, a personagem principal perde uma das luvas. A escolha da luva se dá em virtude de essa peça ser uma referência às mãos, amplamente utilizadas pelos surdos do mundo inteiro para se comunicar.

Fonte: porsinal.pt

Além disso, o fato de os personagens principais serem surdos, coloca as pessoas surdas como protagonistas no roteiro da história. Enfatizar essa característica nos personagens principais, eleva a autoestima das crianças surdas, que se percebem em igualdade em relação às pessoas ouvintes, considerando que os clássicos infantis sempre trazem pessoas sem deficiência como protagonistas.

O livro, desenvolvido por Lodenir Becker Karnopp, Caroline Hessel e Fabiano Rosa, além de abordar o uso da Libras, considerando que os personagens são surdos, também apresenta o texto na escrita da língua de sinais (SignWriting).

Uma oportunidade de fazer transitar nas atividades em sala de aula, os artefatos da cultura surda, presentes, principalmente, na língua de sinais.


Fonte: porsinal.pt

No livro Rapunzel Surda, dos mesmos autores de Cinderela Surda, Rapunzel foi tomada dos pais ainda bebê pela bruxa. Assim que a menina cresceu, a bruxa percebeu que a menina não ouvia, mas tinha uma grande atenção visual. Rapunzel começou a apontar para o que queria e a fazer gestos para muitas coisas. A bruxa então descobriu que a menina era surda e começou a usar alguns gestos com ela.

O texto pode ser explorado para demonstrar que as diferenças não afastam, mas aproximam, incentivando que todos podem ter interesse em aprender Libras.


Fonte: porsinal.pt

O livro Patinho Surdo, de Fabiano Rosa e Lodenir Karnopp, conta a história do nascimento de uma ave pertencente a outra espécie em um ninho de cisnes ouvintes. Por conta da diferença, há dificuldade na comunicação entre eles. No livro, o protagonista reencontra a sua família e aprende a linguagem de sinais usada pelos bichinhos da lagoa.

Algo comum entre os contos infantis é a tendência a motivar a sensibilidade do leitor em relação às diferenças linguísticas que podem afastar as minorias linguísticas e dificultar o estabelecimento de relações entre os pares. Mesmo assim, ainda é possível explorar outras temáticas igualmente importantes para o desenvolvimento social das crianças, sejam elas surdas ou ouvintes.


Fonte: porsinal.pt

A história de Adão e Eva nunca foi tão original. Os autores Lodenir Karnopp e Fabiano Rosa, produzem uma adaptação na qual a origem da língua de sinais se dá através da criação do casal Adão e Eva. Na história, os dois ficam sem roupa após comerem a maçã e veem-se obrigados a usar a fala, já que as mãos estão ocupadas em esconder a nudez dos corpos. O texto não deixa claro se Adão e Eva eram surdos ou ouvintes, apenas foca no objetivo de refletir sobre a possibilidade de as línguas de sinais serem utilizadas por diferentes comunidades, sejam elas ouvintes ou surdas. Um glossário ao final do livro é uma tentativa de fazer com que leitores que não saibam Libras possam aprender alguns sinais e, assim, iniciar o aprendizado.

O texto promove a oportunidade de propor uma aula para discutir sobre as amarras sociais que impedem os surdos de viverem livres, assim como os personagens precisaram usar as mãos para se esconder, já que estavam sem roupas, o que os proibiu de usar as mãos para se comunicarem. O oralismo como forma de comunicação majoritária, sem a difusão da Libras, aprisiona as pessoas surdas nessa condição. Promover essa reflexão em sala de aula é uma boa sugestão para a construção da empatia e da inclusão.


Fonte: porsinal.pt

As autoras Maria Aparecida Oliveira, Maria Lúcia Oliveira e Ozana Carvalho, contam no livro Um mistério a resolver: o mundo das bocas mexedeiras, a história de Ana, uma menina com um grande mistério a resolver. Ana fica intrigada ao perceber que quando as pessoas ao seu redor mexem a boca conseguem o que querem, seja na escola, seja na padaria, seja no mercado, e ela mexe a boca do mesmo jeito, mas ninguém a compreende.

A história traz ricas ilustrações que acompanham o texto em língua portuguesa. O material acompanha um DVD com o texto traduzido para Libras, a partir de um trabalho de tradução realizado pela pedagoga surda Luciane Rangel e pelo professor ouvinte Luiz Carlos Freitas. No vídeo, quem narra a história em Libras é o ator e cinegrafista surdo Nelson Pimenta, numa produção da LSB Vídeo. No DVD, além da contação de história, há uma seção de orientação pedagógica com a pedagoga surda Luciane Rangel, dando sugestões de trabalho com alunos surdos.


Fonte: porsinal.pt

Claudia Bisol criou o livro Tibi e Joca, que pode ser facilmente compreendido por crianças surdas e ouvintes. É a história de Joca, um menino especial, e o seu amigo Tibi. Joca é surdo. Juntos, eles fazem uma descoberta que mudará as vidas de Joca e sua família. Durante a história, descobrem que o personagem é um menino surdo nascido em uma família com pais ouvintes. Todos passaram por momentos difíceis até que começaram a usar a língua de sinais. O texto se apresenta em língua portuguesa, mas é rico em ilustrações. Com o objetivo de estimular a aprendizagem da Libras e facilitar aos surdos acompanhar o texto, um boneco-tradutor sinaliza as palavras-chave de cada página, para que o leitor ouvinte aprenda Libras e o leitor surdo acompanhe a história.

Você sabia?

Nem todos os textos que se propõem a trabalhar com a língua portuguesa e a Libras apresentam-se como bilíngues? Isso mesmo. Há materiais que apresentam a tradução para Libras como português sinalizado. Isso porque o texto não está traduzido com base no significado, mas apenas mostra o sinal de cada palavra, fazendo com que fique incoerente para o entendimento, principalmente das pessoas surdas.

Fonte: acervo fotográfico da autora

Textos como este de Os três porquinhos, publicados pela Brinquelibras, é um exemplo clássico de português sinalizado. A melhor opção para trabalhar a língua de sinais com crianças surdas ou ouvintes é o uso de materiais didáticos que vêm acompanhados de DVDs em Libras. Sinais em imagens, dificilmente equivalem à tradução cultural do texto, tendendo a apresentar uma tradução literal.

Com o objetivo de alertar para esse cuidado no momento da seleção dos materiais, Neiva de Aquino Albres publicou em 2010 uma obra que discute a inclusão de crianças surdas. A pesquisadora demonstra a diferença entre uma tradução literal e uma tradução de sentido, levando em conta a cultura linguística da língua de sinais. Veja o exemplo do trecho abaixo:

Fonte: acervo fotográfico da autora

Mesmo com a tradução para Libras sendo apresentada em desenhos dos sinais, a autora teve o cuidado de não traduzir um sinal para cada palavra, mas desenhar os sinais correspondentes mantendo a equivalência dos sentidos entre a língua portuguesa e a Libras.

4. Experiências práticas de leitura e contação de histórias

Agora que você já estudou sobre a importância do fazer narrativo, vamos compartilhar algumas atividades práticas para você ter como inspiração e poder pensar suas próprias práticas com literatura infantil e contação de histórias.

As atividades apresentadas foram realizadas em uma escola bilíngue de surdos, na cidade de Paranaguá, no Estado do Paraná. Os exemplos mostram algumas experiências no trabalho com a literatura infantil através da leitura e contação de histórias, com o objetivo de ensinar Libras, Português e promover práticas de letramento.

A figura abaixo (Figura 1) mostra o professor surdo bilíngue junto com a professora ouvinte bilíngue, contando uma história partindo de uma imagem e depois relacionando ao texto exposto no papelógrafo. Essa atividade tinha como objetivo aprimorar a produção textual em Libras e em português.

Figura 1 - Contação de história em Libras e em Português

Fonte: acervo fotográfico da autora

 

Os momentos de contação de história aconteciam na sala de literatura. Não havia datashow para projetar imagens, mas havia um tapete e uma pequena roda, onde as crianças liam os livros e contavam as histórias em Libras. Essa fase acontecia depois da contação pela professora. Também havia encenações de pequenos contos, como "A cigarra e a formiga", para que as crianças vivenciassem as histórias que liam e as contações (Figura 2).

Figura 2 - Contação e encenação das histórias

Fonte: acervo fotográfico da autora

 

Outra estratégia para aproximar as crianças das histórias era expor os personagens no quadro e então pedir para as crianças criarem sinais e usarem os personagens como referência para a criação da sequência dos contos.

O varal de histórias também ajudava os pequenos a fazerem relações entre a imagem e o texto. Para trabalhar a memória visual, considerando que as crianças surdas não utilizam a silabação, o mesmo texto era exposto em papelógrafo para que as crianças comparassem palavras apresentadas em cartões com as palavras no contexto do texto (Figura 3).

Figura 3 - Varal de histórias, personagens e memória visual

Fonte: acervo fotográfico da autora

 

O mesmo texto também poderia ser contado pelas crianças diretamente do papelógrafo com o texto em português. Após todo o trabalho de contação de história pelo professor, as crianças se colocavam como narradores e recontavam as histórias para seus colegas.

Com o objetivo de prepará-los melhor para a leitura do texto, sinais já trabalhados na contação de histórias eram escritos em português em cartões para serem usados em uma dinâmica com a turma. Os cartões eram espalhados sobre as mesas e, após a identificação do sinal realizado pela professora, os alunos procuravam a palavra correspondente nos cartões (Figura 4).

Figura 4 - Dinâmica com cartões para identificação das palavras

Fonte: acervo fotográfico da autora

 

As histórias trabalhadas na sala de literatura também eram temas para a sala de português escrito como segunda língua (L2). A professora bilíngue mediava a produção de livros escritos e ilustrados pelos alunos (Figura 5).

Figura 5 - Escrita de livros pelos alunos

Fonte: acervo fotográfico da autora

 

Na sala de artes, a professora bilíngue mediava a criatividade dos alunos em diferentes produções artísticas remetendo ao texto trabalhado na sala de literatura e na sala de língua portuguesa escrita como L2 (Figura 6).

Figura 6 - Produções artísticas para ilustrar as histórias

Fonte: acervo fotográfico da autora

 

Ao final da fase de trabalho com o tema escolhido, era realizada uma Sessão Pipoca (Figura 7) exibindo o filme com o título da história trabalhada, interpretada por uma professora bilíngue. A escola também realizava uma exposição para familiares e amigos, com o objetivo de valorizar o trabalho dos alunos e motivá-los a continuar aprendendo e se desenvolvendo na literatura.

Figura 7 - Sessão pipoca

Fonte: acervo fotográfico da autora

 

E então, gostou das práticas apresentadas? Você já desenvolveu alguma prática pedagógica para trabalhar a literatura com crianças surdas? Agora é a sua vez de compartilhar conosco as suas experiências.

 

Socialize! 

Se você tem alguma experiência prática trabalhando a literatura com crianças surdas, nós queremos conhecê-la. Você também pode compartilhar alguma ideia que surgiu enquanto você acompanhava os exemplos apresentados ou alguma sugestão que você tenha para o trabalho com literatura, mesmo que você ainda não tenha desenvolvido essa ideia.

Participe e compartilhe com os colegas

5. A visualidade na educação de surdos

A partir de agora, vamos aprofundar o conceito de visualidade, suas contribuições para a educação bilíngue e as diferentes representações visuais como ferramentas pedagógicas na educação de surdos. Você estudará a importância dos elementos visuais na educação de pessoas surdas e conhecerá recursos visuais e ferramentas que poderão ser utilizados em sua prática docente.

Para Skliar (2001), a compreensão do mundo para os sujeitos surdos, se constitui como experiência visual. Isso significa que todos os mecanismos de processamento da informação e todas as formas de compreender o mundo, se constituem na interação visual.

De acordo com Strobel (2008), o sujeito surdo interage com o mundo através do olhar e essa experiência visual favorece a comunicação, pois seu pensamento é visual.

Pelo fato de não ouvir, o surdo utiliza como suporte a visualidade para conhecer e interagir no mundo. Essa experiência visual dos surdos vai além das questões linguísticas, pois não se restringe à capacidade cognitiva e/ou linguística de compreender e produzir mensagens em língua de sinais (Skliar, 2001).

Desse modo, torna-se importante pensar sobre a visualidade como recurso pedagógico na educação de surdos em prol da acessibilidade ao conhecimento.

5.1 Linguagem visual

A imagem tem sido uma das formas de expressão e comunicação humana desde os primórdios da história. Se analisarmos a história do desenvolvimento humano, vamos perceber que o pensamento se constitui a partir de imagens bem antes da palavra escrita.

Antes mesmo de saber escrever, o homem expressou e interpretou o mundo através da linguagem visual. A caverna foi o ateliê do homem pré-histórico, e nela, entre os olhos do próprio ser sensível, o artista pré-histórico concebia o seu mundo por imagens. Para além de reproduções de animais selvagens, as pinturas da arte rupestre nos falam de sensibilidade visual e da capacidade de abstração, um fazer criativo natural.

Nessa complexidade, percebemos que somos seres simbólicos, seres de linguagem e principalmente de visualidade. Tais registros apresentam a evidência de que a função da percepção não se encontra somente na compreensão como um produto final, mas também na natureza humana de observar todas as perspectivas como um processo de viver no e com o mundo. Na medida em que a imagem passa a ser compreendida como signo que incorpora diversos códigos, sua leitura requer o conhecimento e a compreensão desses códigos.

Na sociedade atual, estamos imersos em informações visuais, seja no uso do celular, assistindo uma programação na TV, passeando no shopping, apreciando a vitrine de uma loja ou até mesmo no supermercado fazendo compras. As mídias visuais exploram o poder das imagens para atrair a atenção das pessoas para algum fim, seja para divulgar informações, induzir comportamentos, chamar a nossa atenção ou nos instruir sobre algo.

Vivemos em uma sociedade da visualidade e, por isso, se faz necessário que as escolas promovam experiências visuais significativas, ou seja, que a visualidade seja incorporada em estratégias educativas de letramento visual. O uso de recursos didáticos visuais e imagéticos se torna imprescindível como um instrumento de ensino na educação das crianças e, especialmente, das crianças surdas que fazem uso da língua de sinais, uma língua de modalidade visuoespacial.

A visualidade no contexto da educação de surdos vai além da mera constatação de signos visuais. Os recursos visuais precisam considerar o contexto de vida dos alunos surdos, sua identidade e sua cultura. Uma estratégia para articular tais aspectos é o letramento visual.

5.2 Letramento Visual

O letramento visual está vinculado ao sentido, ao ser surdo, aos artefatos da cultura surda e da língua de sinais, sendo composto por um conjunto de aspectos da visualidade.

Strobel (2008, p.40) comenta que

O primeiro artefato da cultura surda é a experiência visual em que os sujeitos surdos percebem o mundo de maneira diferente, a qual provoca reflexões sobre suas subjetividades:

De onde viemos?

O que somos?

Para onde queremos ir?

Qual a nossa identidade?

O letramento visual encontra correspondência nos conceitos de experiência visual e cultura visual. Tais conceitos não podem ser codificados como um conjunto de práticas individuais, mas sim como um conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que sujeitos se envolvem no seu contexto social.

Segundo Dondis (2000), a visão é carregada de informação, mais que qualquer outro órgão ou sentido, e funciona com uma velocidade superior quando comparada a outros movimentos corporais. A imagem tem um papel importante no processo educacional, mas é ainda pouco reconhecida, muitas vezes utilizada com função decorativa, perdida entre a grafia de textos visualmente desinteressantes (Reily, 2003).

 

Para Foucault (2001) a imagem não pode ser reduzida a uma simples interpretação ou a significações, pois as imagens, para ele, são inesgotáveis.

“A imagem seria como uma porta (ou uma ponte) para outras imagens, uma espécie de trajeto a ser percorrido por aquele que olha. A ela cabe suscitar um acontecimento que transmita e magnifique o outro, que se combine com ele e produza para todos aqueles que vierem a olhá-lo e para cada olhar singular usado sobre ele, uma série ilimitada de novas passagens” (Foucault, 2001, p. 352).

Assim, podemos pensar na percepção do sensível que se mostra em relação ao visível, pois “o visível é o que se aprende com os olhos, o sensível é o que se apreende pelos sentidos” (Merleau-Ponty, 2013, p. 28). Mais do que as palavras, as imagens são significações infinitas representadas no ato de ver e sentir.

Reily (2003) salienta a necessidade de utilizar a imagem como recurso cultural que permeia todos os campos do conhecimento e que traz consigo uma estrutura capaz de instrumentalizar o pensamento.

Dessa forma, o letramento visual envolve, conforme define Santaella (2012, p.13),

“[...] aprender a ler imagens, desenvolver a observação de seus aspectos e traços constitutivos, detectar o que se produz no interior da própria imagem [...]. Ou seja, significa adquirir os conhecimentos correspondentes e desenvolver a sensibilidade necessária para saber como as imagens se apresentam, como indicam o que querem indicar, qual é o seu contexto de referência, como as imagens significam, como elas pensam, quais os seus modos específicos de representar a realidade”.

No ensino pautado no letramento visual, precisamos desenvolver a capacidade de ler imagens, desmembrá-las em partes, decodificá-las e interpretá-las. Para isso, é preciso tempo e envolvimento, para perceber o sentido, compreender e interpretar o que foi visto.

Pensar o letramento visual na educação de surdos é ofertar propostas que consideram a leitura atribuída aos significados em função dos contextos históricos em que estas foram criadas e circulam. É necessário trabalhar com materiais que oportunizem o ato de ver, com ferramentas que especifiquem o que pode ser visto, como se pode compreender o que é visto, oportunizando a descoberta e a experimentação.

Você sabia?

A disciplina de fotografia é oferecida em vários cursos técnicos e superiores: Comunicação Visual, Design, Publicidade, Moda, dentre outros. No entanto, em sua pesquisa de doutorado na área de Design pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), a professora Janaina Ramos identificou a falta de materiais didáticos para a aprendizagem dos sujeitos surdos na área da fotografia.

Foi então que nasceu o Projeto Libras e Imagens. De acordo com a professora, os estudantes surdos utilizam no cotidiano referências visuais e filosóficas diferentes das dos ouvintes e necessitam de metodologias específicas de ensino.

Uma atividade do Projeto é o “Conte uma história”, que consiste em pensar na fotografia como uma história e então, inventar uma trama, um fato, criar um contexto e mostrar parte da história, e não tudo, através da imagem, permitindo que o observador da imagem complete a cena.

Conheça o Projeto Libras e Imagens

Projeto Libras e Imagens no youtube

5.2.1 Elementos visuais

Dondis (2000, p.51) apresenta uma lista de elementos visuais que, segundo ela, “constituem a substância básica daquilo que vemos (...)”. São eles: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a dimensão, a escala e o movimento.

A leitura visual resulta de um entrelaçamento de todas essas informações do objeto, de todos os seus elementos visuais, suas características formais e cromáticas, juntamente com as pré-informações do leitor acerca do objeto, instigando a imaginação e a invenção simbólica.

Dondis (2000, p.27) afirma que “o que vemos é uma parte fundamental do que sabemos [...]” e, portanto, o letramento visual pode nos ajudar “a ver o que vemos e a saber o que sabemos”.

A autora menciona que uma das operações mais primitivas do nosso cérebro é a busca por equilíbrio. De diversas formas procuramos obter o equilíbrio a fim de manter a estabilidade, a simetria, a simplicidade. Quando não alcançamos o equilíbrio desejado, gastamos energia e presenciamos o fenômeno da tensão.

Observe a figura abaixo:

Figura 8 - Equilíbrio x Tensão

Na imagem à esquerda, vemos a silhueta do que parece ser uma pessoa em pé, em uma superfície horizontal. A ausência de detalhes e a sensação de estabilidade causam uma sensação de equilíbrio, havendo uma diminuição do incômodo visual e uma sensação de tranquilidade.

Já a imagem à direita, mostra a silhueta de uma pessoa que parece estar prestes a cair. Ainda que seja uma imagem simples, sem muitos detalhes em seu interior, a instabilidade provoca no cérebro uma sensação de incômodo.

Essa sensação de incômodo gera uma série de operações internas em nosso cérebro, que trabalha a fim de adequar a imagem a uma posição de estabilidade.

E olha só que interessante! Apesar do estresse visual, as imagens que produzem essa tensão, desestabilidade ou incômodo, costumam chamar mais a nossa atenção.

Nessa perspectiva, é Interessante disponibilizar para os alunos diferentes imagens e promover uma discussão sobre as estratégias de composição visual utilizadas. Uma dessas estratégias é a regra dos terços, muito utilizada pela mídia para direcionar o olhar na imagem.

Regra dos terços é uma técnica de enquadramento que divide a imagem em 9 partes, com duas linhas verticais e duas horizontais. O objeto principal deve ser alinhado em cima das linhas ou nos pontos de intersecção e não no centro da imagem.

Observe a imagem abaixo:

Figura 9 - Regra dos terços

Fonte: Martin Gommel | Via Flickr

Estudos demonstram que os olhos humanos se direcionam para um dos pontos de intersecção e não para o centro da foto. Quando o elemento principal está no centro, isso gera estabilidade e não há espaço para que o olhar do observador percorra a imagem.

A regra dos terços, ao sugerir posicionar os elementos de destaque da foto próximos às linhas de grade, gera uma tensão, um desconforto e, por consequência, maior interesse do observador. É uma maneira de induzir o olhar para algo que se quer chamar a atenção.

Socialize! 

Para entender melhor a teoria de Dondis, que tal experimentá-la na prática?

Tire uma foto de algum objeto ou encontre imagens em sites. Uma das imagens precisa transmitir a sensação visual de equilíbrio (objeto no centro) e a outra, de tensão (objeto fora do centro). Se precisar, retome o exemplo da regra dos terços para ajudar na definição das imagens.

Apresente essa imagem para seus alunos ou para pessoas que estão aí próximas de você. Incentive-as a analisar e comparar os efeitos percebidos na observação das imagens. Qual foi a percepção das pessoas com relação às imagens? Qual das imagens chamou mais a atenção do observador?

Compartilhe com os colegas no fórum os resultados que você conseguiu.

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5.2.2 Cultura visual

Outro autor que contribui para o aprofundamento sobre a visualidade e o letramento visual, situando-o culturalmente, é Fernando Hernández (2000).

Esse autor considera a cultura como mediadora do processo de compreensão das representações e dos artefatos visuais e defende uma compreensão crítica da cultura visual.

Para ele, compreender o objeto visual é um aprendizado que leva em conta a diversidade que constitui as pessoas. Ao tentar compreender os “porquês” do que se vê, é possível perceber os valores culturais que as pessoas compartilham.

A cultura visual se configura na relação entre o objeto e quem o interpreta. Não se trata de uma relação passiva, mas sim de um processo dialético e social. A significação está vinculada ao diálogo estabelecido entre o processo interno do indivíduo e a realidade externa.

Campello (2008) defende que a experiência visual está vinculada ao processo de constituição do sujeito surdo. Com base na perspectiva histórico-cultural de Vigotski, a autora afirma que “a visualidade contribui, de maneira fundamental, para a construção de sentidos e significados” (p.205).

Ao fazer referência ao termo “cultura visual”, Campello (2008) nos ajuda a compreender que os diversos artefatos adaptados ao modo de viver dos surdos são marcados pelo caráter visual. Por exemplo, a língua de sinais, a literatura, as artes, a tecnologia, entre outros que, ao serem compartilhados entre os pares surdos, resultam na organização de uma cultura própria. Isso comprova que a visualidade participa tanto do processo de produção da cultura quanto do de apropriação.

Você conhece?

O Grupo Signatores, de Porto Alegre (RS), é um grupo de criação e pesquisa teatral composto por artistas que se utilizam da Língua de Sinais. Os surdos são os principais autores da produção artística, em um processo de constante diálogo.

O nome do grupo vem da junção das palavras "signo" e "atores". Signatores é também um trocadilho com as palavras "signatário" e "signatura", duas palavras com origem no latim "signare" (aquele que assina); o ator/autor assina o seu próprio trabalho.

Surgiu a partir do interesse em investigar as possibilidades de criação artística dos surdos e os processos de construção da linguagem teatral própria da Cultura Surda. Busca incentivar a formação de docentes e pesquisadores na área teatral e aproximar jovens e adultos surdos das artes cênicas.

Para conhecer um pouco do trabalho do grupo, assista a reportagem sobre a peça teatral Alice no país das maravilhas.

Reportagem sobre grupo Signatores

5.3 Pedagogia Visual

A constituição de uma Pedagogia Visual representa as questões relativas aos processos de compreensão e interpretação do mundo pelo surdo por meio da experiência visual. Significa pensar a visualidade como marcador cultural da comunidade surda. Ainda que os surdos sejam diferentes entre si, existem alguns traços recorrentes e marcadores de identidade. Dentre esses traços, destacamos a experiência do olhar.

O olhar para o surdo, muito mais do que sentido, é uma possibilidade de ser outra coisa e de ocupar outra posição na rede social. O olhar, entendido como um marcador surdo, é o que lhe permite contemplar um modo de vida de diferentes formas, o cuidado uns sobre os outros, o interesse por coisas particulares ou interpretar e ser de outra forma depois da experiência surda. Enfim, o olhar como uma marca, é o que permite a construção de uma alteridade surda (Lopes; Veiga-Neto, 2006, p.90).

De acordo com Martins (2010, p.39) para desenvolver uma pedagogia visual, o professor precisa ser capaz de “transformar as palavras, as frases, as significações, os signos em outros signos visuais, ou seja, em “palavras visuais”, em imagem, porque isso facilita para os surdos.”

Um dos recursos artísticos e poéticos que adota essa prática de transformar palavras em imagens é o Visual Vernacular (ou VV), um novo estilo de expressão artística desenvolvido e representado por pessoas surdas. É um estilo baseado no uso de classificadores, expressões faciais e técnica de incorporação, que leva à criação de um ritmo, em um formato estético, performático e narrativo. Vem sendo utilizado principalmente na literatura surda, mas pode ser usado também no teatro e na música.

Segundo Mourão e Branco (2020, p.5) “ a performance da língua de sinais é necessariamente ligada à presença corporal em tempo real, à receptividade estética e à produção de significações, ligadas à emoção estética”, e isso se destaca dentro da literatura surda.

Um exemplo de Visual Vernacular é o vídeo Caterpillar. No vídeo, o ator utiliza a comunicação visual, com expressões faciais, movimento e velocidade, além de diversos classificadores, tais como: árvore crescendo, patas, antenas, asas da borboleta, para narrar uma história em Libras.

Podemos observar, na imagem abaixo, uma das cenas do vídeo:

Figura 10 - Cena do vídeo Caterpillar

 

Nesta cena o ator forma com as mãos e braços uma asa. Em seguida, olha para uma das asas e para a outra, e sorri. Então, o ator muda de cor e os movimentos ficam mais rápidos, demonstrando a alegria da borboleta em voar. Ao utilizar as mãos e os braços, incorpora a borboleta voando.

O Visual Vernacular pode auxiliar em diversas temáticas em sala de aula, pois trabalha com a visualidade da língua, com a imaginação, com as formas de contar e produzir literatura surda.

A ideia principal é explorar a imagética do Visual Vernacular e a iconicidade dos sinais através de seus classificadores e dos aspectos visuais e linguísticos específicos das línguas de sinais como: o movimento, a velocidade e a expressão facial.

Ao trabalhar a Pedagogia visual na escola, é fundamental usar todos os recursos visuais disponíveis, tais como a língua de sinais, CDs e DVDs, filmes legendados ou sinalizados, mapa de conceitos, gráficos, esquemas, e, principalmente, garantir que tais materiais sejam produzidos pela própria comunidade surda.

Através da utilização de bons recursos didáticos visuais, amplia-se a possibilidade de os alunos surdos se identificarem e desenvolverem a auto estima, a imaginação, a confiança, o controle, a criatividade, a cooperação, o senso de percepção e o relacionamento interpessoal. Uma das características fundamentais do recurso didático é funcionar como veículo estimulador do desenvolvimento humano, agindo de forma global e integrada nesse processo (Correia; Neves, 2019, p.10).

Saiba mais!

No site do Departamento de Educação Básica (DEBASI) do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) você encontra diversas opções de recursos visuais, atividades diversas, materiais didáticos e de apoio pedagógico.

Materiais para crianças e adolescentes


Recomendamos que você conheça os vídeos que tratam da “História das coisas”. É uma série de vídeos dinâmicos que contam a história das coisas que fazem parte da nossa vida e podem ajudar você a pensar ideias para o seu planejamento pedagógico. A apresentação dos vídeos é de Fabíola Saudan.

A história das coisas


Conheça também o Projeto Artegestoação, coordenado pelos professores Lúcia Vignoli e Tiago Ribeiro, que propõe práticas e ações pedagógicas transdisciplinares em educação de surdos, na interface com a linguagem artística além de outras linguagens e áreas do conhecimento.

O projeto trabalha com a ideia de transbordar fronteiras disciplinares e práticas curriculares como movimento pedagógico necessário na tessitura de uma pedagogia visual em educação bilíngue de surdos.

Projeto Artegestoação


Outra ideia interessante é o projeto Escritas da arte, coordenado pelas professoras Lúcia Vignoli e Lívia Buscácio, que conta com a participação de aprendizes-artistas surdos da educação básica do INES.

Durante o período de isolamento da pandemia de COVID-19, o grupo desenvolveu os Cadernos Cartoneros, uma ação conjunta entre os participantes do projeto, o Núcleo de Artes do CAP-INES e o professor Tiago Ribeiro. A proposta envolveu o trabalho com linguagens e a escrita de si, integrado com as artes visuais, palavras e poesia para e com a comunidade surda.

Projeto Escritas da arte

6. Atividades pedagógicas para trabalhar a visualidade

Agora que você já estudou sobre a importância da visualidade na educação de surdos, vamos compartilhar algumas atividades práticas para você ter como inspiração ao pensar suas próprias práticas.

As atividades que vamos apresentar foram realizadas pela professora Tatiana Bolivar Lebedeff (2010) em cinco oficinas de letramento visual e estratégias visuais para docentes surdos. Nas oficinas, foi sugerida como proposta a criação de esquemas gráficos para organização de ideias e explanação visual dos conceitos. Acompanhe na sequência as ideias trabalhadas.

6.1 Gráfico em árvore

Para esta proposta, foi apresentado um gráfico organizador que apresenta como os itens podem estar relacionados uns aos outros. O tronco da árvore representa o tópico principal e os galhos derivam das informações relativas ao tópico. A partir das discussões provocadas pelo professor, novos galhos são gerados até esgotar o assunto.

Em tal atividade, por meio de uma relação de hierarquia, podem ser exploradas palavras, conceitos e contextos visuais pertinentes. Através da leitura das imagens pode-se incorporar novas ilustrações relacionadas.

Na oficina de letramento a história da educação de Surdos foi usada como tema da discussão. Dele derivam três galhos: oralismo, comunicação total e bilinguismo. Após a discussão, surgiram novos galhos, até que todos achassem que tinham esgotado o assunto.

6.2 Gráfico de Teia (web)

Também denominado cluster ou cloud, é um tipo não linear de gráfico organizador, que auxilia a sistematização de ideias originadas a partir de um tópico central. Auxilia o professor a realizar estratégias de brainstorm, ou explosão de ideias. Não há hierarquia a priori, a organização dos tópicos ocorre após serem esgotadas as ideias.

Esgotando as ideias, o próximo passo é propor a organização de um texto coerente com as ideias. Como sugestão posterior ao gráfico e à organização do texto, pode-se criar uma ilustração ou uma história incorporando elementos da cultura surda.

Como sugestão para o trabalho com o gráfico em teia, você pode experimentar a ferramenta Mindmeister, uma aplicação digital de brainstorming que ajuda a capturar e compartilhar ideias de forma rápida.

6.3 Tabela

É um tipo de organizador que concentra os dados sobre determinado assunto. Pode servir para mostrar atributos, para comparar e contrastar tópicos, avaliar informações dentre outras possibilidades.

Os dados apresentados em uma tabela podem ser qualitativos, como as informações sobre as características e atributos de algo ou alguém, quantitativos, quando apresentam informações numéricas, ou ainda podem ser mistos, com informações qualitativas e quantitativas.

As tabelas são formadas por linhas e colunas e a junção delas forma a célula, na qual inserimos as informações.

6.4 Mapa de história

O mapa de história (storyboard) é um gráfico organizador para auxiliar o aluno a analisar ou escrever uma narrativa. Pode ser utilizado para organizar diferentes tipos de textos, não apenas histórias, tais como: textos acadêmicos, textos jornalísticos e relatos de filmes. Deve ser utilizado para organizar as ideias e não para engessá-las ou hierarquizá-las.

Para trabalhar com o mapa de história, você pode começar apresentando os elementos que constituem uma história: cenário, hora, local, personagens, problema, o que aconteceu e conclusão. Outra sugestão seria apresentar os personagens principais, os personagens secundários, o problema, os eventos e a conclusão. A partir desses elementos, o aluno desenvolverá a história.

Dependendo da faixa etária com a qual você está trabalhando, é possível reduzir ou ampliar a quantidade de elementos. O importante é que esses elementos auxiliem os alunos a criarem suas próprias histórias.

Utilizando esse recurso os alunos constroem as principais ideias sobre o assunto, organizam o pensamento e visualizam os elementos da história primeiramente em partes para depois construírem o todo. Os elementos da história podem ser apresentados através de palavras, imagens, placas sinalizadas em Libras ou de forma concreta. O importante é conduzir a explicação para uma estrutura relacional entre os tópicos induzindo ao pensamento.

Uma ferramenta que você pode utilizar para criar um mapa de histórias é o StoryboardThat. A ferramenta apresenta vários modelos para você criar seus próprios mapas de história ou utilizar modelos já prontos.

Você sabia?

Que um dos exemplos mais conhecidos de mapas de histórias é a “Jornada do Herói”?

Essa estrutura narrativa, desenvolvida por Joseph Campbell, é usada em inúmeros livros e filmes e fornece um modelo para a jornada transformadora de um herói. Segue uma sequência que envolve um chamado à aventura, provações, altos e baixos, orientação e um retorno triunfante.

A jornada do herói foi usada em clássicos como “O Senhor dos Anéis”, “Harry Potter” e “O Rei Leão”. É um exemplo de mapa de história que mostra como uma estrutura universal pode ser a base de histórias muito diferentes (VanZandt, 2023).

6.5 História em quadrinhos

As Histórias em Quadrinhos (HQ) promovem a união de texto e desenho e ampliam os conceitos abstratos e confinados à palavra.

Nas explicações e interpretações dos elementos da HQ pode-se trabalhar a diferença entre os balões, onomatopeias e metáforas visuais - como lâmpadas que acendem na cabeça dos personagens e que transmitem o significado de ideia.

Podemos trabalhar com os alunos surdos tirinhas e cartoons de desenhistas e cartunistas surdos, como é o caso de Lucas Ramon Alves, conhecido como Tikinho, que aborda a surdez em suas publicações.

Para trabalhar a história em quadrinhos com os alunos, você pode utilizar o software Pixton, que possui cenários, personagens, expressões e permite compartilhar as histórias. Outra sugestão é o Canva que, dentre as várias funcionalidades, oferece também a criação de tirinhas.

Você sabia?

Lucas Ramon Alves, o Tikinho, é surdo e encontrou nos desenhos uma forma de se comunicar com o mundo. Criador da série em quadrinhos “Três Patetas Surdos”, nasceu na cidade de Pará de Minas - MG, em 1987. Passou a infância na cidade de Florestal, onde começou a fazer seus primeiros desenhos. Inicialmente, desenhava dinossauros e seu herói favorito, o Homem Aranha. Aos 25 anos fez um curso profissionalizante na Casa dos Quadrinhos e se apaixonou pelas histórias em quadrinhos.

Fonte: https://www.facebook.com/profile.php?id=100056914511625


Para conhecer as obras de Tikinho, visite a página do cartunista no Facebook.

Facebook Tikinho Ramon

Também é possível conhecer um pouco mais sobre Tikinho e suas obras assistindo à entrevista que ele concedeu ao programa Café com Pimenta, da TV INES.

Café com Pimenta - Tikinho Ramon

7. Recursos para trabalhar a visualidade

Para trabalhar conteúdos densos, teóricos e extensos com os alunos surdos, é importante organizá-los visualmente para facilitar a compreensão. Incluir nas aulas materiais visuais como vídeos e imagens, ajuda a criar um ambiente de aprendizagem onde a cultura e a língua de sinais estejam visivelmente presentes no processo e no produto final do trabalho educativo.

É possível utilizar estratégias visuais respeitando as especificidades da língua de sinais, assim como a cultura e as particularidades dos alunos. Ao incluirmos a participação dos alunos na elaboração dos projetos educacionais, podemos estimular para que compartilhem com os colegas as suas potencialidades interpretativas e as suas produções.

Destacamos Vigotski (2001), quando menciona que o ato de escolarização deve ser mediado socialmente pelo professor e pelos alunos com seus pares, pois é no decorrer das relações sociais que os sujeitos se apropriam dos conhecimentos presentes no mundo em que vivem.

Para te ajudar na construção de atividades pedagógicas, vamos apresentar alguns recursos e propostas para explorar a visualidade.

7.1 Fotografia para compor imagens representativas

Nesta proposta utiliza-se a fotografia para elaborar imagens ilustrativas ou placas informativas (Taveira; Rosado, 2016). Pode-se utilizar esse recurso para sinalizar os espaços da escola ou para nomear objetos importantes.

Observe a imagem abaixo (Figura 11). Os alunos realizaram o sinal correspondente ao nome do espaço. A expressão facial e as setas gráficas traduzem o movimento do sinal.

Figura 11 - Placas informativas

Fonte: (Taveira; Rosado, 2016)

Você pode construir as placas informativas em conjunto com a turma, envolvendo a participação dos alunos no processo de elaboração, construção e organização das informações para um modo visual. Podem utilizar a câmera do celular para registrar as imagens e depois organizá-las conforme o tema ou assunto que está sendo trabalhado.

Dessa maneira, no trabalho realizado, haverá inserções representativas da cultura surda, pois os próprios alunos surdos participam da elaboração das ideias e construção, interagindo e contribuindo com suas próprias escolhas e não somente socializando e reproduzindo imagens figurativas escolhidas pelo professor.

7.2 Videoaula

A videoaula é apresentada, muitas vezes, com a função demonstrativa, para demonstrar ou apresentar algum assunto. Antes ou durante a exibição da videoaula, você pode propor interações com os alunos, partindo de questões provocativas, tais como: você conhece? Já viu algo semelhante? O que remete a imagem/cena para você? (Taveira; Rosado, 2016).

Pode também propor que os alunos produzam a videoaula como forma de apresentar um assunto que estejam estudando. É sempre importante incluir o aluno nas produções, incentivar que seja protagonista de seu processo de aprendizagem.

Veja um exemplo de videoaula, elaborado para a formação de pais e professores, na qual a professora Keli apresenta dicas para trabalhar a leitura com as crianças surdas.

Outro exemplo são as videoaulas com temas ambientais para o Ensino Fundamental, propostas por Tabita Teixeira durante o Mestrado Profissional em Ensino das Ciências Ambientais da USP.

Tabita é ouvinte e a ideia de produzir as videoaulas surgiu quando desenvolveu um projeto com os participantes da ASJA (Associação dos Surdos de Jaú e região) e percebeu as dificuldades enfrentadas por eles nas escolas. Ela então criou o roteiro do material e teve o auxílio da professora Mariana Didone, que é surda, para traduzir o conteúdo do português para Libras e gravar os vídeos.

Conheça a playlist completa com todas as videoaulas produzidas por Tabita.

Acessar a playlist

A produção e experimentação de videoaulas bilíngues com estudantes surdos, para o ensino de matemática na educação básica, é relatada por Kumada et. al. (2022). A equipe envolvida no projeto desenvolveu os roteiros das videoaulas tendo como referencial a pedagogia visual e o letramento visual. O roteiro das videoaulas foi elaborado propondo a apresentação de imagens e textos, juntamente com a fala verbalizada e a interpretação em Libras, conforme mostra a figura abaixo.

Figura 12 - Videoaula de matemática

Fonte: Kumada et. al. (2022)

Conheça a playlist com as videoaulas produzidas

Como vimos, as videoaulas podem ser utilizadas para iniciar a discussão de um assunto, podem servir como material complementar para o estudo em casa ou também podem ser produzidas pelos alunos, como forma de explicar um assunto já estudado.

Você sabia?

Você já viu a série chamada De olho na ciência, lançada pela TV INES?

É uma série científica, composta por treze vídeos educativos e divertidos, criados para aguçar o interesse dos adolescentes pelas Ciências, através de personagens que apresentam afinidade com o público-alvo.

Aluna do Ensino Médio, blogueira e youtuber, Vivi é a personagem principal da série. Em seu canal, ela propõe divulgar o que sabe sobre Ciência mas, assim que inicia, é surpreendida por uma personagem que invade a tela do seu computador e é a sua cara, a “Vivírus”. Apesar de invasora, a Vivírus se torna uma parceira na aventura pelo conhecimento científico.

Série de olho na ciência - TV INES

7.3 Vídeo narrativo

Os vídeos narrativos apresentam a narrativa de histórias e têm como finalidade:

  1. aprimorar o uso da língua de sinais;
  2. estimular traduções, adaptações e criações de literatura em língua de sinais;
  3. divulgar a língua e os temas próprios à comunidade surda (Taveira; Rosado, 2016, p.190).

Você pode propor que os alunos produzam vídeos narrativos a partir de uma atividade de contação de história, de leitura de um livro ou mesmo sobre algo que eles tenham vivido. Os alunos elaboram o roteiro e gravam o vídeo, mostrando a sua performance na contação da história.

Um exemplo de vídeo narrativo é o da história A menina que não falava. Acompanhe a história para saber o seu desfecho.

Outro exemplo é o vídeo da professora Ronice Quadros (2021), publicado no canal do youtube #CasaLibras​​​. No vídeo, Ronice conta um pouco sobre a sua história de vida e narra uma situação vivenciada pela sua mãe, intitulada Confusão no aeroporto. Veja só:

E que tal uma narrativa visual com um pouco de humor?

A Piada em Libras O leão e o surdo, contada pelo professor de Libras Fábio de Sá, do Centro de Educação para Surdos Rio Branco, foi a vencedora do "“Festival de Folclore Sinalizado", na categoria “Piadas e Humor Surdo”.

Saiba mais!

Um ótimo material para aprofundar seu conhecimento sobre como os surdos vem produzindo material visual e construindo a Literatura Surda, incluindo vídeos narrativos, é o artigo Adaptação e tradução em literatura surda: a produção cultural surda em língua de sinais, de Cláudio Mourão.

O artigo analisou produções de histórias feitas por surdos, identificando recursos de construção e verificando como contribuem para a expressão da cultura surda. Uma das experiências relatadas foi realizada pela professora Lodenir Karnopp, que utilizou o recurso vídeo narrativo em Libras com seus alunos. As histórias foram adaptadas incluindo personagens surdos e situações novas e os alunos puderam se expressar por meio das produções de sua cultura.

Adaptação e tradução em literatura surda

7.4 Pensamento Visual

A estratégia do pensamento visual, também conhecida como visual thinking, é um recurso que une os elementos gráficos e textuais para transmitir ideias de forma fácil e acessível. Diz respeito à capacidade humana de se comunicar por meio da visualidade.

De acordo com Franco e Gabino (s.d., online), “nosso cérebro registra melhor as informações quando mesclam a linguagem verbal e não verbal – ou seja, texto e desenhos!” Para elas, a estratégia do pensamento visual traz inúmeras vantagens para a educação, conforme mostra a figura abaixo.

Figura 13 - Vantagens do pensamento visual na educação

Fonte: (Franco; Gabino, s.d.)

O pensamento visual nos ajuda a compreender as informações de modo não linear, por meio de conexões, redes, diagramas, diferente da escrita, que é uma linguagem linear. Assim, esse recurso auxilia a organizar os pensamentos e melhora a capacidade de comunicação, atribuindo novos sentidos à informação.

Os infográficos, quadros e o mapa mental são técnicas do pensamento visual.

Fonte: (Franco; Gabino, s.d.)

Para finalizar…

E então, gostou dos exemplos e sugestões que apresentamos?

Conforme você estudou, as estratégias e os recursos visuais são elementos significativos para a aprendizagem das pessoas surdas, pois enfatizam o uso da visão e não da audição.

Assim, foram selecionadas e apresentadas atividades e recursos para auxiliar você no trabalho com a visualidade na educação, tanto de crianças surdas quanto de ouvintes. Esperamos que essas sugestões possam ser úteis para você propor atividades de aprendizagem e também para, a partir delas, criar novas possibilidades de intervenção pedagógica.

Agora, é a sua vez de compartilhar conosco algumas das suas experiências.

Socialize! 

Você tem alguma experiência prática trabalhando a visualidade com crianças surdas ou ouvintes? Já produziu material didático, utilizou alguma estratégia ou recurso que possa ser socializado com os colegas?

Ou, mesmo que você ainda não tenha trabalhado algo específico sobre a visualidade na educação, você teve alguma ideia enquanto estudava esse material?

Compartilhe conosco a sua experiência e as suas ideias para o trabalho com a visualidade na educação.

Participe e compartilhe com os colegas

Considerações Finais

Neste material você estudou sobre a linguagem, suas diferentes formas de expressão e a relação com a língua de sinais. Conheceu sobre a literatura surda e sobre a narração de histórias, de forma oral e em língua de sinais.

Conheceu diferentes possibilidades para trabalhar com a literatura surda, privilegiando estratégias visuais para atender às peculiaridades dos sujeitos surdos. Aprendeu que o universo da imaginação infantil de crianças surdas é o foco na estimulação da criatividade e que o momento do conto em Libras é fundamental no trabalho didático-pedagógico.

Por fim, você estudou sobre as contribuições da visualidade na educação bilíngue e ampliou os conhecimentos sobre letramento visual, cultura visual e pedagogia visual. A partir desses aspectos, conheceu estratégias e recursos pedagógicos que exploram a visualidade e que podem ser utilizados tanto na educação de crianças surdas quanto de ouvintes.

Esperamos que você experimente e aplique as estratégias e os recursos visuais sugeridos, adaptando-os às necessidades dos estudantes surdos, bem como ao contexto educacional no qual você está inserido.

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Literatura, linguagem e visualidade na educação de surdos

[ Conteúdo ]

Veridiane Pinto Ribeiro

Patricia Barbosa Pinho Storch

[agosto 2024]

[ Design instrucional ]

Caroline Lengert

[ Design gráfico ]

Daniel Mazon da Silva

Jennifer Patricio Candido

[ Revisão Textual ]

Ana Paula Flores

[ Equipe de Tradução ]

[ Tradutor de Libras Surdo ]

Gabriel Finamore de Oliveira

Nicoly Danielski dos Santos

Simone Gonçalves de Lima da Silva

[ Equipe de Tradução ]

[ Intérprete de Libras ]

Priscila Paris Duarte

Saionara Figueiredo Santos

Tatiane da Silva Campos [coordenadora]

[ Edição de Vídeo ]

Andres Leonardo Salas Garces

Lincohn Santos da Rosa

Como referenciar este livro:

RIBEIRO, Veridiane Pinto; STORCH, Patricia Barbosa Pinho. Literatura, linguagem e visualidade na educação de surdos. 2024. Disponível em: https://moodle.ifsc.edu.br/mod/book/view.php?id=195127. Acesso em: dd mmm aaaa. [material digital]. 

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