Programação

  • Módulo 1: Compreendendo as Múltiplas Dimensões do Racismo (8 horas)

    Prezados e prezadas colegas, O Letramento Racial é um processo formativo que busca desenvolver consciência crítica sobre as desigualdades raciais e suas manifestações na sociedade e nas instituições de ensino. Este material foi elaborado no âmbito do IFSC como instrumento de apoio pedagógico e reflexivo, oferecendo subsídios teóricos e práticos para a promoção da equidade racial. 


    A leitura convida à compreensão do racismo estrutural, do papel da branquitude, da importância da representatividade e da necessidade de práticas antirracistas no cotidiano. Mais do que conceitos, o letramento racial promove novas formas de enxergar o mundo, ampliando o compromisso ético e político com a justiça social. O curso pretende sensibilizar servidores, estudantes e comunidade para que se tornem agentes de transformação em seus espaços de atuação. O material apresenta fundamentos históricos, referências a legislações e contribuições de intelectuais negros e indígenas, buscando unir teoria e prática. Trata-se de um convite à reflexão e à ação. Afinal, educar contra o racismo é educar para a dignidade humana.

    Objetivos do módulo

    Ao final deste módulo, os participantes serão capazes de:

    Diferenciar conceitos-chave como raça, preconceito, discriminação, injúria racial e racismo.Identificar e analisar as concepções individual, institucional e estrutural do racismo

    Compreender a formação histórica e as manifestações contemporâneas do racismo estrutural no Brasil, com base em dados socioeconômicos.

    Reconhecer as falhas e indicadores do racismo institucional em diferentes setores.Explicar as origens, teorias e impactos do racismo científico.

    Distinguir entre intolerância religiosa e racismo religioso, entendendo seu contexto histórico e implicações legais.

    Compreender a definição, as manifestações e as medidas de combate relacionadas ao racismo ambiental.Identificar e analisar criticamente o racismo recreativo, seus estereótipos e seus impactos psicológicos e sociais.

    Valorizar a importância do pertencimento racial e do antirracismo indígena, incluindo a autoidentificação, autodeterminação e o combate a expressões anti-indígenas.

    O conteúdo programático deste módulo abordará esses aspectos fundamentais do letramento racial, oferecendo uma base teórica e contextual robusta.

    Conceitos Fundamentais: Raça, Preconceito, Discriminação, Injúria Racial e Racismo

    Para uma compreensão aprofundada do racismo, é essencial diferenciar os conceitos que o permeiam. A palavra "raça", por exemplo, não é utilizada no contexto biológico, mas sim como uma construção social e política. 

    É uma classificação adotada por instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para denominar como os brasileiros se autodeclaram (brancos, pretos, pardos, indígenas ou amarelos), auxiliando na identificação e no fomento de políticas públicas.

    O preconceito refere-se a uma ideia preconcebida ou um juízo de valor negativo, uma opinião sem embasamento racional ou conhecimento aprofundado. É uma atitude mental que não necessariamente se materializa em uma ação.

    A discriminação, por sua vez, ocorre quando o preconceito se concretiza em uma ação, resultando em tratamento diferenciado a uma pessoa ou grupo. Ela pode ser racial ou não, baseada em diversas características como nacionalidade, orientação sexual, raça, gênero ou religião.


    A Lei 7.716/1989 tipifica como crime ações que impedem ou recusam o acesso a empregos, estabelecimentos comerciais, escolas, hotéis, transportes públicos, ou que impedem a convivência familiar e social, bem como incitam discriminação.

    A injúria racial é a ofensa à honra de alguém com base em raça, cor, etnia ou religião, atingindo um indivíduo específico. Em uma mudança legislativa significativa, a Lei Nº 14.532 de 11 de janeiro de 2023 classificou a injúria racial como um tipo de racismo, equiparando-a a este crime. Esta reclassificação legal da injúria racial como uma forma de racismo representa uma evolução crucial na compreensão jurídica brasileira. Ela reconhece que atos individuais de ofensa racial não são meros incidentes isolados, mas estão intrinsecamente ligados e reforçam a estrutura sistêmica do racismo. 

    Historicamente, a injúria racial poderia ter sido vista como um agravo pessoal, distinto do crime de racismo que atinge uma coletividade. No entanto, a nova lei dissolve essa distinção, implicando que mesmo as agressões verbais individuais derivam sua força e significado de um contexto sistêmico. Isso sugere que o legislador compreende que insultos individuais contribuem para, e são produtos de, uma sociedade racista, justificando, assim, o mesmo tratamento legal severo dispensado à discriminação coletiva. 

    Esta medida fortalece o arcabouço legal de combate ao racismo, fechando uma lacuna que poderia ter permitido que atos individuais de agressão racial fossem tratados com menor rigor, reforçando a noção de que todas as formas de discriminação racial são manifestações inaceitáveis de um problema sistêmico.

    O racismo, diferentemente da injúria, atinge a coletividade, uma quantidade indeterminada de pessoas. Silvio Almeida define como uma "forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento", manifestada consciente ou inconscientemente, que acarreta desvantagens ou privilégios conforme o grupo racial do indivíduo.

    A Tabela 1, a seguir, sintetiza as distinções e oferece exemplos práticos para facilitar a identificação e categorização de situações de preconceito, discriminação, injúria racial e racismo.




    O escritor brasileiro Silvio Almeida (2019) oferece uma classificação fundamental para compreender a complexidade do racismo, dividindo-o em três concepções interligadas: individual, institucional e estrutural.

    A concepção individual entende o racismo como uma patologia, um comportamento isolado e patológico de um indivíduo. Sob essa ótica, o racismo seria primariamente uma questão de preconceito pessoal ou atos discriminatórios cometidos por "maus" indivíduos.

    A concepção institucional avança ao considerar que o racismo resulta do funcionamento das próprias instituições. Mesmo que indiretamente, as instituições conferem privilégios e desvantagens com base na raça.

    Almeida destaca que essa perspectiva representou um avanço teórico significativo, pois transcende a redução do racismo a meras atitudes e comportamentos individuais. Em vez disso, ela postula que as instituições são racistas porque a sociedade é racista, e o racismo opera como um modo "normal" de funcionamento dentro dessas estruturas, ainda que essa "normalidade" seja uma aberração.

    No contexto educacional, isso se manifesta, por exemplo, no acesso reduzido de profissionais negros e indígenas a cargos de direção ou chefia, ou nas maiores taxas de reprovação e evasão entre estudantes pretos e pardos.

    Por fim, a concepção estrutural considera o racismo como um dos componentes orgânicos da sociedade. Para Almeida, o racismo estrutural é um processo contínuo no qual as condições sociais, tal como se apresentam, reproduzem e fortalecem a subalternidade de determinados grupos racialmente identificados.


    Ele define o racismo como uma "forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento", manifestada consciente ou inconscientemente, que acarreta desvantagens ou privilégios dependendo do grupo racial ao qual o indivíduo pertence.

    Isso significa que o racismo está profundamente arraigado na sociedade, sendo sistemático e metódico, inerente à forma como a própria sociedade foi constituída.

    A estrutura conceitual de Almeida é transformadora, pois desloca a compreensão do racismo de atos isolados de preconceito individual (uma falha moral) para um sistema social onipresente. Essa mudança de perspectiva redireciona o foco de "agentes ruins" individuais para a responsabilidade coletiva das instituições e da sociedade em geral na perpetuação da desigualdade. Se o racismo é estrutural, isso implica que ele não se resume à intolerância pessoal, mas permeia o próprio tecido social. Consequentemente, o combate ao racismo exige mudanças sistêmicas em leis, políticas e práticas institucionais, em vez de se limitar à educação individual ou à punição de atos isolados.

    A responsabilidade se expande da esfera pessoal para a coletiva, abrangendo a sociedade e as instituições. Essa compreensão aprofundada é crucial para o desenvolvimento de estratégias antirracistas eficazes em instituições como o IFSC, pois ela transcende soluções superficiais para abordar as causas-raiz da desigualdade racial, enfatizando que, sem o reconhecimento da existência do racismo, não é possível estabelecer estratégias eficazes para combatê-lo.

    Racismo Estrutural: Raízes Históricas e Manifestações Contemporâneas

    O racismo estrutural é um processo contínuo que reproduz e fortalece a subalternidade de grupos racializados, sendo profundamente enraizado na formação histórica da sociedade brasileira.

    A analogia de Silvio Almeida de uma sociedade como um "edifício" construído sobre "alicerces estruturantes" profundamente racistas ilustra a necessidade de identificar e remover essas bases para uma transformação social.

    Contexto Histórico: Lei de Terras de 1850 e Negação da Cidadania

    A Lei de Terras de 1850 é um elemento histórico crucial que fomentou e reforçou um modelo concentrado e desigual de desenvolvimento no Brasil. Essa lei condicionou o acesso à terra ao pagamento ao Estado, impedindo efetivamente que pessoas recém-libertas da escravidão pudessem adquirir propriedades. Essa política, somada à admissão de mão de obra branca/europeia para substituir a mão de obra negra, levou ao alojamento de grande parte dos trabalhadores libertos em zonas periféricas, dando início ao processo de favelização que se observa hoje nos grandes centros urbanos.

    Mesmo atualmente, a distribuição de terras no Brasil, conforme o Censo Agropecuário de 2017, mantém as mazelas engendradas pela aristocracia de 1850: menos de 1% dos proprietários rurais concentram quase metade (47,5%) de toda a área rural do país, sendo 76,9% desses proprietários brancos. Em contraste, as pequenas propriedades, que concentram o maior número de produtores (65% pretos ou pardos em estabelecimentos de até cinco hectares), ocupam apenas 2,3% do território agrícola brasileiro.

    A Consolidação das Leis Civis de 1858 solidificou ainda mais os estereótipos racistas. Embora a Constituição de 1824 reconhecesse os negros (na condição de livres) como cidadãos brasileiros, este documento oficial revelou a visão da aristocracia branca, que enxergava as pessoas negras como não-humanas, classificando "escravos" como "semoventes" (animais de rebanho).



    Além disso, o Decreto nº 1331/1854, em seu Art. 69, impedia legalmente o acesso de "escravos" às escolas, negando-lhes o direito à educação.

    O acesso de pessoas negras ao sistema educacional foi uma conquista resultado da luta do movimento negro.

    Essas leis históricas revelam um processo deliberado e sancionado pelo Estado de subjugação racial, que vai além da mera discriminação passiva. Elas moldaram diretamente as disparidades socioeconômicas atuais, ao negar sistematicamente o acesso de pessoas negras à riqueza, à educação e à plena cidadania, criando uma desvantagem fundamental que persiste até hoje. 

    O Estado, por meio dessas intervenções diretas, projetou e implementou políticas que excluíram sistematicamente a população negra da participação econômica (propriedade da terra), do reconhecimento social (cidadania/humanidade) e da ascensão social (educação). Essa intervenção direta criou uma desvantagem estrutural profundamente enraizada, que continua a se manifestar nas desigualdades contemporâneas, tornando as disparidades atuais uma consequência direta de políticas históricas, e não apenas de preconceitos remanescentes.

    A desigualdade social no Brasil tem uma dimensão racial profunda e persistente, comprovada por dados do IBGE. Em 2022, mais de 70% dos pobres e extremamente pobres eram pretos ou pardos, apesar de representarem 56% da população. A renda média da população branca era 64,2% maior, e o rendimento-hora 61,4% superior ao de negros e pardos. Ocupações com baixos salários, como serviços domésticos e construção civil, concentram a maioria de trabalhadores negros. No mercado de trabalho, pretos e pardos são maioria entre desempregados, informais e desalentados, representando quase 65% dos 9,5 milhões de desempregados. A educação também reflete essa desigualdade: a taxa de analfabetismo entre negros é superior à dos brancos e à média nacional. Esses dados revelam a persistência do racismo estrutural, que organiza oportunidades e desvantagens ao longo de linhas raciais. Longe de ser herança do passado, trata-se de um mecanismo ativo que perpetua desigualdades entre gerações, mantendo a estratificação social.

    Dados Socioeconômicos e Educacionais (IBGE): 




    Impactos e Casos Ilustrativos no Brasil

    O racismo estrutural se manifesta através da produção e fortalecimento de subjetividades, evidenciadas pela depreciação e estigmas associados a pessoas negras ao longo da história.

    A naturalização de papéis de subserviência para pessoas negras e a estranheza quando elas ocupam posições ou frequentam lugares luxuosos revelam a persistência dessa estrutura histórica.

    A criminalização da pessoa negra na sociedade brasileira, pelo simples fato de ser negra, é uma realidade perversa, manifestada em falas, posturas, descaso político e ausência de políticas públicas efetivas.

    Os exemplos a seguir ilustram como o racismo estrutural se manifesta no cotidiano:

    "Não faço faxina, Faço mestrado":

     O relato da educadora Luana Tolentino, abordada na rua e questionada sobre o valor de sua faxina devido ao seu fenótipo, demonstra a associação naturalizada de pessoas negras a papéis de subserviência.

    "Teste das bonecas": Um experimento em que crianças são expostas a bonecas pretas e brancas, e suas respostas revelam o racismo internalizado desde a infância e a reprodução de estruturas subjetivas/ideológicas de superioridade branca.

    (Nota: O material de referência orienta que educadores não repliquem este vídeo em ambiente escolar devido à sua natureza sensível e forte para crianças e adolescentes 

    Incidente no supermercado (Serra/ES, Outubro de 2023): Um pai negro, passando mal devido a complicações de diabetes, parou o carro no estacionamento de um supermercado e pediu ajuda. Foi confundido com sequestrador do próprio filho (branco), levando à intervenção policial baseada em perfilamento racial.

    Incidente do motoboy (Rio Grande do Sul, Fevereiro de 2024): Um motoboy negro foi imobilizado e algemado pela Brigada Militar após denunciar ter sido agredido com uma faca por um idoso branco. Enquanto a vítima era contida, o agressor conversava calmamente com os policiais, ilustrando uma resposta institucional enviesada.

    A "naturalização" de papéis de subserviência e a criminalização desproporcional de indivíduos negros, mesmo em situações aparentemente benignas ou ambíguas, revelam a natureza internalizada e subconsciente do racismo estrutural. 

    O preconceito racial influencia a percepção e a ação sem intenção explícita, tornando o problema mais difícil de identificar e combater. Isso indica que o racismo estrutural opera não apenas por meio de leis ou políticas explícitas, mas também por meio de vieses sutis, frequentemente inconscientes, que moldam as interações cotidianas e as respostas institucionais. 

    A "estranheza" quando indivíduos negros ocupam espaços de prestígio, ou a suspeita imediata de criminalidade, são manifestações dessa programação social profundamente internalizada.E. Racismo Institucional: Falhas, Exemplos e Indicadores

    O racismo institucional é a falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Conforme o Estatuto da Igualdade Racial (2012), ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho, resultantes da ignorância, falta de atenção, preconceito ou estereótipos racistas.

    Silvio Almeida (2019) aponta que as instituições são racistas porque a sociedade é racista, e o racismo opera como um modo "normal" de funcionamento.Definição e Manifestações em Setores Chave (Educação, Emprego, Justiça, Terra)O racismo institucional se manifesta de diversas formas, limitando o acesso e a qualidade dos serviços e políticas para grupos racializados.

    Educação: 

    Menos de 1% dos professores negros em universidades públicas.

    Menos de 10% dos alunos nas 20 melhores escolas privadas do Brasil são negros.

    71,7% dos jovens que abandonam a escola são negros.

    Maior parte dos alunos reprovados ou considerados evadidos são pretos ou pardos.

    Historicamente, negros foram legalmente impedidos de acesso à educação pelo Decreto nº 1331/1854.

    Emprego e Liderança:

    Negros ocupam apenas 0,4% dos cargos de diretoria.

    Líderes negros são menos de 30% nas empresas brasileiras.

    Apenas cerca de 4% de pessoas pretas estão em cargos de liderança nas 500 maiores empresas.

    Pessoas pretas são maioria em posições operacionais e técnicas, mas têm participação reduzida em cargos de alta gestão.

    Pessoas pretas, mesmo com as mesmas competências, recebem salário até 31% menor do que as brancas no mesmo cargo.

    Sistema de Justiça e Segurança Pública:

    63% das abordagens policiais no Rio de Janeiro têm como alvo pessoas negras.

    17% das pessoas negras já foram abordadas pela polícia mais de 10 vezes.

    Negros correspondem a 68% das pessoas abordadas andando a pé na rua ou na praia, enquanto apenas 25% dos brancos são parados nas mesmas circunstâncias.Terra: 

    A concentração fundiária, legado da Lei de Terras de 1850, continua a excluir pessoas pobres, negras e indígenas. Menos de 1% dos proprietários rurais brancos detêm quase metade das terras do país, enquanto pequenos proprietários, majoritariamente negros e pardos, ocupam uma parcela mínima.

    A natureza generalizada do racismo institucional em diversos setores (educação, emprego, justiça, terra) indica que ele não é apenas uma soma de atos discriminatórios isolados, mas uma barreira sistêmica transversal que limita a ascensão social e o tratamento equitativo para grupos racializados, independentemente do mérito individual. 

    Isso perpetua a desigualdade estrutural. Essa ampla ocorrência sugere que o racismo institucional é uma falha fundamental na forma como várias instituições sociais operam. 

    Não se trata apenas de vieses individuais dentro dessas instituições, mas de seu funcionamento "normal" coletivo que sistematicamente desfavorece grupos racializados. Isso cria uma desvantagem cumulativa que afeta os indivíduos ao longo de suas vidas, independentemente de suas capacidades.

    A Tabela 3, a seguir, detalha exemplos práticos de como o racismo institucional se manifesta.







    F. Racismo Científico: Pseudociências, Impactos e Figuras Históricas

    O racismo científico é um sistema de crenças pseudocientíficas que, por meio da manipulação de dados, buscou justificar a segregação e a discriminação racial, afirmando a inferioridade ou superioridade de determinadas "raças".

    Teorias e Manipulação de Dados (Craniometria, Antropometria)

    O racismo científico utilizou conceitos da antropologia, como a antropometria (medições do corpo humano) e a craniometria (medições do crânio), além de outras pseudodisciplinas, para desenvolver tipologias antropológicas que sustentavam a hierarquização de populações humanas em raças fisicamente distintas, com origens diversas.

    Samuel George Morton (início do século XIX): Médico americano que promoveu a teoria de que a superioridade racial era evidenciada pelo estudo dos crânios, afirmando que crânios mais complexos (associados a indivíduos de pele clara) eram sinal de inteligência superior. Essa ideia influenciou o pensamento por cerca de 150 anos, sendo desacreditada apenas na década de 1980.

    Carl Von Linné (século XVIII): Em sua obra Systema naturae, classificou a humanidade em seis raças distintas.

    Corneille de Paw (século XVIII): Especulou sobre a influência do clima na "fraqueza moral e física" do homem americano, que ele chamava de "degenerado".

    Petrus Camper (século XVIII): Buscou definir uma hierarquia entre símios, negros, chineses e brancos, evidentemente colocando os brancos como superiores, utilizando anatomia comparada e ângulos faciais.

    Deturpação do Darwinismo: A teoria da "evolução das espécies" foi lamentavelmente utilizada como ingrediente de uma ideologia racista que defendia a imigração europeia como meio de "branqueamento" da população brasileira. Essas teses, já em declínio na Europa, foram amplamente aplicadas no Brasil.

    Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906): Um dos mais proeminentes seguidores das teorias racistas no Brasil, defendia que a mistura de raças causava desordem e que era necessário "embranquecer" a população com a presença de europeus brancos para evitar a "degeneração".

    Impactos na Identidade e Criminalização de Corpos Negros

    O racismo científico, ao fornecer uma justificativa "racional" e "empírica" para a hierarquia racial, atuou como uma poderosa ferramenta ideológica que legitimou e perpetuou o racismo estrutural e institucional. Isso permitiu que práticas discriminatórias se enraizassem nas normas e políticas sociais por séculos, fazendo com que a discriminação racial parecesse natural e inquestionável

    Legitimação da Discriminação: As teorias do racismo científico serviram de base para fundamentar segregações sociais, considerando algumas raças superiores e outras inferiores.

    Criminalização de Corpos Negros: 

    Na República brasileira, a ciência foi empregada para argumentar que qualquer pessoa negra ou com características físicas semelhantes era potencialmente criminosa, simplesmente pela cor da pele, tamanho do nariz, cabeça, lábios, mãos e pés.

    Estigmatização: Traços físicos foram rapidamente transformados em "estigmas" por estruturas políticas, econômicas, sociais e religiosas, todas fundamentadas na ciência, resultando na condenação generalizada, apagamento e extermínio contínuo da população negra.

    Impactos Identitários: O racismo científico teve profundos impactos identitários no Brasil, enraizando-se nas estruturas sociais como um símbolo vivo da colonialidade. Teses como a miscigenação buscavam "limpar" o brasileiro por meio da imigração branca, tentando "embranquecer" o "Outro" negro e mestiço.

    G. Racismo Religioso: Contexto, Manifestações e Aspectos Legais

    O racismo religioso se manifesta através de um histórico de opressão e supressão de manifestações religiosas, particularmente contra as fés afro-brasileiras e indígenas.

    Histórico de Opressão e Sincretismo Religioso no BrasilA diversidade religiosa no Brasil é resultado de um processo histórico marcado por contato, mas também por opressões e supressões de manifestações de fé.

    A colonização portuguesa impôs o cristianismo católico, utilizando-o para justificar a catequização e a repressão das crenças indígenas e africanas.

    Desumanização e Criminalização: O discurso colonizador desumanizou o africano, respaldando a violência física e moral. Instituições perpetuaram a marginalização da fé dos negros, enquadrando-a como magia, feitiçaria ou encanto. 

    O Código Penal de 1890, em seu Artigo 157, explicitamente proibia e criminalizava a prática do espiritismo, magia e seus sortilégios, impondo penas de prisão.

    Sincretismo Forçado: 

    O sincretismo religioso no Brasil não foi um resultado de contato saudável, mas sim de um contato violento, medo e opressões da colonização.

    A persistência de similaridades, como o uso de colares de sementes por indígenas e as guias na Umbanda ou fios de contas no Candomblé, demonstra a resistência cultural.

    Manutenção Cultural: A manutenção de nomenclaturas em línguas ancestrais (yorubá, quibundo) e línguas indígenas ainda marca as religiões e práticas espirituais desses grupos.


    A criminalização e demonização históricas das práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas, mesmo com o Brasil sendo um estado laico, demonstram como o racismo religioso é uma ferramenta de subjugação cultural e espiritual. Ele reforça hierarquias raciais mais amplas ao atacar a identidade e a coesão comunitária de grupos racializados. 

    Essa perseguição religiosa não se limitava a diferenças teológicas, mas estava profundamente entrelaçada com o controle racial. Ao atacar as práticas espirituais, os colonizadores visavam desmantelar as estruturas culturais e sociais dos povos indígenas e africanos, reforçando sua subjugação racial. A persistência de altas taxas de intolerância religiosa contra as religiões afro-brasileiras hoje demonstra que essa instrumentalização histórica da religião continua.Religiões de Matriz Africana e Indígena (Candomblé, Umbanda)

    Os crimes de intolerância e racismo religioso no Brasil são majoritariamente cometidos contra as religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé.

    Candomblé: Surgiu no final do século XVI com escravizados trazidos da África, misturando influências de diversas etnias africanas. Acredita em uma figura divina suprema (Olorum, Nzambi, Olodumaré) e entende os Orixás como ancestrais encarnados com "axé" (força, energia vital).

    Busca manter viva a cultura africana.

    Umbanda: Religião brasileira fundada em 1908 por Zélio Fernandino de Moraes, no Rio de Janeiro. Apresenta elementos do Catolicismo, Espiritismo Kardecista e Candomblé, e preza pelo reforço de uma cultura do Brasil, trabalhando com entidades representativas da terra (Caboclos, Boiadeiros, Pretos Velhos).

    Entende os Orixás como arquétipos de forças da natureza.

    Princípios Comuns: Ambas as religiões são regidas pelos princípios da caridade, fraternidade e respeito, e possuem uma forte relação com a natureza.

    Equívocos e Estigmatização: Há uma estigmatização das práticas religiosas desses grupos, associando-as a conotações negativas e pejorativas. Equivocadamente, crê-se que umbandistas e candomblecistas adoram vários deuses (Orixás) ou que Orixás são o mesmo que santos católicos. O termo "macumba" é usado de forma pejorativa, sendo que "macumba" é um instrumento musical.

    A figura de Exu é preconceituosa e equivocadamente associada à figura do demônio.

    Contribuições Culturais: Muitas comidas que hoje fazem parte do cardápio brasileiro, como acarajé, abará, caruru, canjica e vatapá, são pratos trazidos, adaptados ou popularizados por descendentes de africanos.

    Distinção entre Intolerância Religiosa e Racismo ReligiosoEmbora comumente atrelados, intolerância religiosa e racismo religioso não são sinônimos.

    Intolerância Religiosa: É o ato de discriminação manifesto, visível na forma de violência física, verbal ou psicológica, preconceito e discriminação de indivíduos com base em sua escolha ou manifestação religiosa.

    Racismo Religioso: É uma ideia de superioridade de um ou mais grupos em relação a algum grupo étnico ou racial, fazendo crer, por exemplo, ser uma religião mais próxima de Deus ou da "verdade" espiritual do que outras.

    A distinção entre intolerância religiosa (um ato) e racismo religioso (uma ideologia de superioridade) revela que este último é a causa-raiz que alimenta o primeiro. Isso implica que o combate ao racismo religioso exige o enfrentamento das crenças supremacistas subjacentes, e não apenas dos atos individuais de hostilidade. Consequentemente, punir atos de intolerância sem abordar a ideologia subjacente de supremacia religiosa não erradicará o problema. 

    O combate eficaz requer intervenções educacionais que desafiem essas crenças profundamente arraigadas, muitas vezes inconscientes, de que a própria religião é inerentemente "mais verdadeira" ou "mais próxima de Deus" do que outras, especialmente as de grupos racializados.

    Legislação Pertinente (Lei 7.716/89, Lei 14.532/23, Estatuto da Igualdade Racial)O Brasil, como estado laico, deve dissociar as crenças religiosas do poder e das decisões políticas, ao mesmo tempo em que reconhece e protege a diversidade religiosa presente em seus espaços sociais, incluindo a escola.

    Diversos instrumentos legais garantem essa proteção:Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 18): Garante a liberdade de pensamento, consciência e religião, incluindo a liberdade de mudar de religião ou crença e de manifestá-la.

    Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial): Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, estendendo-se a etnia, religião ou procedência nacional.

    Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023: Altera a Lei do Crime Racial para tipificar a injúria racial como crime de racismo e prevê pena para o racismo religioso e recreativo, e para o praticado por funcionário público.

    Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 (Estatuto da Igualdade Racial): Institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades e o combate à discriminação. 

    O Capítulo III, Art. 24, detalha o direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana, incluindo a prática de cultos, celebração de reuniões, fundação de locais de culto, produção e uso de artigos religiosos, e acesso a meios de comunicação para divulgação.

    H. Racismo Ambiental: Origem, Definição e ImpactosO termo "racismo ambiental" surgiu nos Estados Unidos, cunhado pelo ativista afro-americano Benjamin Franklin Chavis Jr., ao observar a relação desproporcional entre populações racialmente discriminadas e ambientes degradados.

    Origem, Definição e Manifestações

    Conforme Herculano (2008), o racismo ambiental refere-se às injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre etnias vulnerabilizadas e populações tradicionais, como ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, entre outros.

    Não se trata apenas de ações com intenção racista, mas também de ações que geram impacto racial, independentemente da intenção original.

    Exposição a Riscos: Manifesta-se pela exposição dessas populações a áreas com lixões, produtos tóxicos e falta de saneamento básico.

    Vulnerabilidade Climática: Está relacionado a comunidades que sofrem com questões climáticas, como deslizamentos e enchentes.

    Disparidades Geográficas: O pesquisador Yuri Paz problematiza a diferença entre bairros economicamente favorecidos, como Perdizes em São Paulo, que não sofrem com deslizamentos ou enchentes, e as periferias, que são severamente afetadas, evidenciando a falta de vontade política em garantir segurança ambiental a todos.

    O racismo ambiental, ao concentrar riscos ambientais e vulnerabilidades climáticas em comunidades racializadas, revela como o racismo sistêmico instrumentaliza a política geográfica e ambiental para reforçar as desigualdades socioeconômicas existentes. Isso efetivamente cria "zonas de sacrifício" para populações marginalizadas. 

    A distribuição desigual de ônus ambientais (como proximidade à poluição, falta de saneamento, vulnerabilidade a desastres naturais) não é aleatória, mas sistematicamente correlacionada com a demografia racial. Isso indica que as políticas ambientais, o planejamento urbano e a alocação de recursos são implícita ou explicitamente moldados por vieses raciais. Decisões sobre onde localizar instalações perigosas ou onde negligenciar a infraestrutura impactam diretamente as comunidades racializadas, transformando seus espaços de vida em "zonas de sacrifício" que arcam com o peso da degradação ambiental em benefício de áreas mais privilegiadas (frequentemente brancas). Isso é uma consequência direta dos desequilíbrios de poder estruturais.Medidas de Combate

    O Centro de Estudos Estratégicos Fiocruz (CEE-Fiocruz, 2023) sugere medidas para combater o racismo ambiental:

    Reconhecimento da existência do racismo ambiental e conscientização da sociedade sobre sua gravidade.

    Investimentos em infraestrutura

    Regulação rigorosa de empresas que provocam danos ambientais.

    Inclusão das comunidades afetadas nos debates e decisões sobre projetos.

    Políticas públicas relacionadas à questão socioambiental

    Iniciativas educacionais e culturais com incentivo à diversidade e respeito intercultural.

    Acesso à informação e ao conhecimento sobre o tema é primordial para a ação coletiva.

     Racismo Recreativo: Humor, Estereótipos e o Papel da Escola

    O racismo recreativo, conforme definido por Adilson Moreira (2019), é uma política cultural que utiliza o humor para encobrir uma hostilidade racial, buscando arruinar a reputação social de minorias raciais. 

    Definição e Perpetuação de Estereótipos Derrogatórios

    O racismo recreativo transmite a ideia falaciosa de que pessoas negras e indígenas não são atores sociais competentes e ajuda a perpetuar estereótipos racistas.

    Humor como Máscara: Utiliza o humor para disfarçar a hostilidade racial, reproduzindo estereótipos que afirmam que minorias raciais não merecem o mesmo respeito que pessoas brancas.

    Estereótipos Perpetuados:

    Sexualidade Negra Exacerbada: A lascívia feminina e a potência masculina, com o homem negro visto como um animal sexual.

    Criminalização: "Piadas" que associam pessoas negras a criminosos, vagabundos, malandros, ladrões, reforçando preconceitos e discriminação.

    Animalização: Comparações de negros a macacos, transmitindo a ideia de que não evoluíram geneticamente, não são racionais e, portanto, não têm capacidade para ocupar os mesmos espaços que pessoas brancas.

    O racismo recreativo, ao normalizar o humor depreciativo, cria um ambiente social permissivo para outras formas de racismo. Ele sutilmente corrói a dignidade e a competência social de indivíduos racializados, tornando mais difícil para eles desafiar a discriminação explícita. O humor é frequentemente visto como inofensivo ou inocente. 

    No entanto, quando ele carrega subtons racistas, normaliza e legitima visões preconceituosas de maneira sutil, tornando-as menos confrontadoras e mais difundidas. Esse "suavizamento" do racismo por meio do humor permite que ideias depreciativas circulem livremente, influenciando percepções e atitudes sem provocar resistência explícita. 

    Isso cria um clima social onde indivíduos racializados são constantemente submetidos a microagressões que minam sua autoestima e posição social, tornando-os mais vulneráveis à discriminação explícita.

    Impactos Psicológicos e Sociais na Autoestima e Aprendizagem

    Os discursos e manifestações de racismo recreativo têm um impacto profundo nos indivíduos.

    Impactos Negativos em Indivíduos Negros: 

    Autorrejeição, baixa autoestima, ausência de reconhecimento de capacidade pessoal, rejeição a outros racialmente semelhantes, timidez, pouca participação em sala de aula, dificuldades no processo de aprendizagem, recusa em ir à escola e, consequentemente, evasão escolar.

    Impactos em Indivíduos Brancos: Cristalização de um sentimento irreal de superioridade, reforçando a discriminação racial.

    Ações Antirracistas no Ambiente EscolarA escola não pode se silenciar diante de situações de racismo.

    Quebra do Silêncio: É fundamental que as instituições educacionais não se calem diante do racismo, preconceito e discriminação racial, pois o silêncio contribui para que diferenças fenotípicas sejam compreendidas como desigualdades naturais.

    Mudança Curricular: Implementar um currículo que evidencie narrativas negras sob outro viés, destacando conquistas, agendas culturais, e processos de luta e resistência, sem negar o processo de escravidão.

    Promoção da Representatividade: Fomentar o debate, problematizar, evidenciar as contribuições dos povos negros e indígenas, destacar personalidades, trabalhar a importância da representatividade e promover práticas interculturais e dialógicas.

    Postura Ativa: Educadores antirracistas devem assumir uma postura de reflexão e ação contra práticas racistas, não silenciando vozes negras e indígenas.

    J. Pertencimento Racial e Antirracismo IndígenaEste subtópico aborda a importância do pertencimento racial e do antirracismo indígena, com foco na autoidentificação, autodeterminação, combate a estereótipos e valorização da representatividade.Autoidentificação e Autodeterminação dos Povos IndígenasO pertencimento racial, especialmente para os povos indígenas, não se limita a características fenotípicas (cor da pele, tipo de cabelo, formato do rosto), mas envolve a autoidentificação, autoestima, autorrepresentação e autoprojeção.

    Direito Constitucional: 

    A Constituição Federal de 1988 garantiu aos povos indígenas o direito à autodeterminação, que implica reconhecer sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.

    Autoridade Comunitária: A definição de quem é indígena reside no próprio grupo, na comunidade indígena, independentemente do local onde vivem, desde que mantenham vínculos com sua ancestralidade e modos de vida.

    Critérios de Autodefinição (Gersem Baniwa): Embora não sejam únicos ou excludentes, incluem continuidade histórica com sociedades pré-coloniais, estreita vinculação com o território, sistemas sociais/econômicos/políticos definidos, língua/cultura/crenças definidas, autoidentificação como diferente da sociedade nacional, e articulação com a rede global dos povos indígenas.

    A ênfase na autoidentificação e autodeterminação para os povos indígenas desafia diretamente a visão colonial que historicamente definiu a identidade indígena com base em critérios externos, frequentemente depreciativos. Isso afirma sua autonomia e o direito à autodefinição como um princípio central do antirracismo. 

    Ao afirmar a autodeterminação, os povos indígenas retomam o poder de se definirem, resistindo aos estereótipos estáticos, muitas vezes romantizados ou primitivos, impostos pela sociedade dominante. Este é um ato fundamental de descolonização e resistência antirracista, que afirma que a identidade indígena é dinâmica e resiliente, capaz de se adaptar à modernidade sem perder sua essência.Combate a Estereótipos e Expressões Anti-IndígenasÉ crucial combater a representação simplificada do "índio-padrão" (nu, com arco e flecha) perpetuada no ambiente escolar e na mídia.

    O Brasil possui mais de 266 povos indígenas, falando 274 línguas, presentes em todo o território nacional, não apenas na Amazônia.

    A Tabela 4, a seguir, lista expressões anti-indígenas comuns que devem ser evitadas, juntamente com suas razões e alternativas recomendadas.




    O uso disseminado de expressões anti-indígenas na linguagem cotidiana revela como as narrativas e estereótipos coloniais estão profundamente enraizados no tecido cultural. Isso perpetua formas sutis de racismo que invisibilizam e desvalorizam as identidades indígenas, mesmo sem intenção consciente. 

    Essas expressões, frequentemente usadas sem intenção maliciosa, indicam que as ideias racistas que carregam foram normalizadas e integradas ao discurso diário. Isso significa que o racismo não se manifesta apenas em atos explícitos ou políticas institucionais, mas também na própria linguagem que utilizamos. 

    A representatividade indígena, portanto, é apresentada como fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Apesar de os indígenas representarem apenas 0,83% da população brasileira, ainda há sub-representação em espaços de poder, reflexo de privilégios históricos acumulados pela população branca. 

    No entanto, importantes avanços ocorreram, como a eleição de Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, a atuação de Eloy Terena no STF e a entrada de Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras. Outros nomes, como Daniel Munduruku, Txai Suruí e Joenia Wapichana, também simbolizam a conquista de espaços antes negados. Tais presenças não são apenas simbólicas, mas representam uma mudança real nas dinâmicas de poder e sinalizam reparações históricas. 

    Ao final deste módulo você deve ser capaz de responder às questões abaixo:

    1. O conceito de “raça”, no contexto do letramento racial, deve ser entendido como:
    a) Uma categoria biológica baseada em diferenças genéticas.
    b) Uma invenção científica do século XIX que comprova hierarquia entre povos.
    c) Uma construção social e política utilizada para classificar e organizar desigualdades.
    d) Um conceito restrito ao período da escravidão e atualmente em desuso.

    2. Segundo a Lei nº 14.532/2023, a injúria racial passou a ser considerada:
    a) Apenas um delito de menor potencial ofensivo.
    b) Um crime distinto do racismo, restrito a ofensas individuais.
    c) Uma infração administrativa sem repercussão penal.
    d) Uma forma de racismo, equiparada a crime contra a coletividade.

    3. Para Silvio Almeida, o racismo estrutural pode ser compreendido como:
    a) A soma de preconceitos individuais em larga escala.
    b) Um conjunto de atos intencionais e conscientes de discriminação.
    c) Um componente orgânico da sociedade, reproduzindo desigualdades de forma contínua.
    d) Um fenômeno isolado presente apenas em contextos históricos específicos.

    4. A Lei de Terras de 1850 foi um marco histórico para o racismo estrutural porque:
    a) Estabeleceu a gratuidade da posse da terra a ex-escravizados.
    b) Impediu que pessoas recém-libertas tivessem acesso à terra, reforçando a exclusão socioeconômica.
    c) Criou a reforma agrária como política pública de inclusão.
    d) Distribuiu igualmente as terras entre brancos, negros e indígenas.

    5. Qual dos indicadores do IBGE demonstra mais fortemente a desigualdade racial no Brasil em 2022?
    a) A maior taxa de analfabetismo entre a população branca.
    b) O rendimento-hora da população branca 61,4% superior ao da população preta ou parda.
    c) A maior participação de negros em cargos de direção.
    d) A igualdade salarial média entre brancos e negros.

    6. O racismo científico utilizou pseudociências como a craniometria e a antropometria para:
    a) Combater as teorias raciais e valorizar a diversidade.
    b) Sustentar a ideia de hierarquia racial e justificar práticas discriminatórias.
    c) Provar a inexistência de diferenças biológicas entre povos.
    d) Explicar a evolução da humanidade de forma universal e igualitária.

    7. A diferença entre intolerância religiosa e racismo religioso consiste em que:
    a) O primeiro é ideológico, enquanto o segundo é apenas um ato isolado.
    b) A intolerância refere-se a manifestações discriminatórias contra uma religião, enquanto o racismo religioso expressa a crença na superioridade espiritual de uma religião associada a um grupo racial.
    c) Ambos são sinônimos, usados apenas em contextos distintos.
    d) A intolerância ocorre somente contra religiões cristãs, enquanto o racismo religioso ocorre contra religiões afro-brasileiras.

    8. O conceito de racismo ambiental refere-se a:
    a) Ações de preservação ambiental voltadas exclusivamente para comunidades indígenas.
    b) A exclusão de comunidades racializadas e pobres em áreas com riscos ambientais desproporcionais.
    c) Políticas de sustentabilidade neutras que afetam igualmente todas as populações.
    d) Questões climáticas que atingem apenas bairros ricos das grandes cidades.

    9. O racismo recreativo, de acordo com Adilson Moreira, caracteriza-se por:
    a) Um humor neutro, sem repercussões sociais.
    b) O uso do humor como instrumento de hostilidade racial e perpetuação de estereótipos.
    c) A substituição de expressões racistas por críticas construtivas.
    d) Um fenômeno histórico já superado na sociedade brasileira.

    10. O pertencimento racial e o antirracismo indígena reforçam que:
    a) A identidade indígena deve ser definida apenas por critérios fenotípicos.
    b) A autoidentificação e a autodeterminação são direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
    c) O indígena só é legítimo quando vive em aldeias isoladas da modernidade.
    d) A visão colonial é o parâmetro mais adequado para reconhecer quem é indígena.


    Confira suas respostas:

    1. c) Uma construção social e política utilizada para classificar e organizar desigualdades.

    ✔ A noção de “raça” não tem base biológica, mas sim social, usada para legitimar hierarquias.

    2. d) Uma forma de racismo, equiparada a crime contra a coletividade.

    ✔ A Lei nº 14.532/2023 equiparou injúria racial a racismo, tornando-a crime inafiançável e imprescritível.

    3. c) Um componente orgânico da sociedade, reproduzindo desigualdades de forma contínua.

    ✔ Silvio Almeida define o racismo estrutural como parte do funcionamento das instituições e não apenas ações individuais.

    4. b) Impediu que pessoas recém-libertas tivessem acesso à terra, reforçando a exclusão socioeconômica.

    ✔ A Lei de Terras exigia compra, barrando negros libertos e indígenas de possuírem terras.

    5. b) O rendimento-hora da população branca 61,4% superior ao da população preta ou parda.
    ✔ Dado do IBGE de 2022 revela desigualdade persistente nos salários.

    6. b) Sustentar a ideia de hierarquia racial e justificar práticas discriminatórias.
    ✔ O racismo científico usou falsas ciências como a craniometria para legitimar escravidão e segregação.

    7. b) A intolerância refere-se a manifestações discriminatórias contra uma religião, enquanto o racismo religioso expressa a crença na superioridade espiritual de uma religião associada a um grupo racial.
    ✔ Racismo religioso atinge, sobretudo, religiões afro-brasileiras, vinculadas à identidade negra.

    8. b) A exclusão de comunidades racializadas e pobres em áreas com riscos ambientais desproporcionais.
    ✔ Racismo ambiental se expressa, por exemplo, na destinação de lixões ou enchentes frequentes em bairros periféricos.

    9. b) O uso do humor como instrumento de hostilidade racial e perpetuação de estereótipos.
    ✔ O racismo recreativo é perigoso porque naturaliza a violência contra grupos racializados.

    10. b) A autoidentificação e a autodeterminação são direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
    ✔ O reconhecimento da identidade indígena não depende apenas de traços físicos, mas da autodeclaração e da coletividade.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 
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