1.6 Fases da escrita

Emília Ferreiro e Ana Teberoski realizaram pesquisas na área da alfabetização na década de 1970, que culminou com a publicação da obra Psicogênese da Língua Escrita em 1979. Elas observaram que as crianças formam hipóteses sobre a escrita, bem como passam por diferentes fases até se apropriarem das regras ortográficas.

Você se lembra da teoria da epistemologia genética, de Jean Piaget, que estudamos no Módulo 1? As autoras mencionadas seguem tal abordagem teórica para orientar as suas pesquisas.

Para a psicogênese da língua escrita, o contato da criança com tentativas de registro leva a uma situação de conflito, um desequilíbrio, fazendo com que a criança crie hipóteses. Os esquemas assimilativos determinam, entre outras coisas, que não se pode escrever com apenas uma letra e que são necessárias letras diferentes para escrever. As crianças também imaginam que para escrever o nome de algo pequeno, poucas letras são suficientes, e se quer escrever o nome de um objeto grande são necessárias várias letras.

Durante o processo de alfabetização é muito importante que nós conheçamos as hipóteses que as crianças elaboram para podermos ajudá-las a aprender. Talvez fique mais fácil compreender esse processo de alfabetização acompanhando a figura abaixo:

Figura 3 - ciclo de alfabetização e letramento

Fonte: adaptado de Soares (2022, p. 137)

Na primeira fase de registro da língua as crianças utilizam o desenho para fazer a representação. Após observar a forma como os adultos escrevem, as crianças passam a fazer linhas bastante tortuosas tentando reproduzir essa maneira de registro. Chamamos essas linhas de garatujas.

Em seguida, a criança percebe que devemos usar as letras para escrever, porém, ela ainda não se dá conta da relação entre os grafemas e os sons, e usa letras aleatórias em sequência para escrever. A garatuja e a escrita com letras fazem parte da fase pré-fonológica, portanto.

E como a criança faz a transição da garatuja para as letras?

Tendo contato com a escrita nos mais variados gêneros textuais que estão à nossa volta! Um exemplo bem comum são os livros de histórias infantis.

Na imagem abaixo é possível ver que a criança, de 4 anos e 3 meses, mistura a garatuja com as letras nessa produção espontânea, sem orientações de um adulto:

Figura 4 - Carta ao Papai Noel

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Nas fases seguintes, a criança começa a desenvolver a consciência silábica e passa pelas fases silábica sem valor sonoro e silábica com valor sonoro. Nesta etapa, a criança já tem a noção de que a quantidade de letras utilizada para escrever tem a ver com a quantidade de vezes que ela abre a boca para pronunciar cada sílaba. A diferença é que na fase silábica sem valor sonoro a criança escolhe as letras para representar cada sílaba da palavra sem fazer relação com o som que elas têm, enquanto que na fase silábica com valor sonoro a criança escolhe uma letra representante de cada sílaba que tem relação com o som. Basicamente, ela escolhe ou uma consoante ou uma vogal, mas não a sílaba completa.

Na fase silábico-alfabética há uma variação: algumas sílabas são escritas de maneira completa (consoante e vogal) e outras constando apenas a consoante ou a vogal que faz parte da sílaba.

A diferença entre as fases alfabética e ortográfica é que na primeira a escrita ainda sofre muita influência dos sons ou fonemas, levando a criança a trocar o S pelo C, o S pelo Z, por exemplo. Já na fase ortográfica as regras de escrita começam a se consolidar e as influências do som que causam erros na escrita diminuem até desaparecer.

Na prática, em uma mesma turma as crianças estão em diferentes fases de aquisição da língua escrita.

E o que nós professores podemos fazer para colaborar com a aprendizagem de todas?

Devemos começar identificando qual nível cada criança se encontra, ou seja, o que ela já sabe da escrita. Para Vigotski partir desse conhecimento que a criança traz é considerar a sua zona de desenvolvimento real. A partir do que ela já conhece, oferecemos oportunidades de construção de novos conhecimentos, a fim de que ela avance em seu processo de aprendizagem.

Você deve estar se perguntando: o que fazer depois de constatar que os alunos não estão no mesmo nível de aquisição?

 

A própria Soares (2022) chama a nossa atenção para a importância do uso dos textos na alfabetização. Textos da vida real, como já discutimos anteriormente. Então, utilizando diferentes gêneros, em torno da mesma temática, é possível proporcionar à criança que ela observe a grafia de uma mesma palavra diversas vezes, em diferentes materiais e assim caminhe para a escrita ortográfica.