2. O processo de apropriação da leitura e da escrita pelos surdos

Se você é ouvinte e deseja compreender o processo de apropriação da leitura e da escrita pelos estudantes surdos, é necessário, primeiramente, deixar de lado a sua própria experiência de aprendizagem de leitura e escrita e ter bem claro em sua mente que o estudante surdo não é uma criança ouvinte que não ouve.

Desse modo, as representações que você construiu acerca desse processo, até agora, foram baseadas fundamentalmente na memória de suas experiências de aprendizagem de leitura e de escrita na escola e/ou em casa e do uso social que você fez e faz delas na escola e fora dela. Isto é, as experiências de alguém que ouve e se vale da via fonológica para compreender e produzir textos. Nessa empreitada, você também não pode esquecer que você, ouvinte, aprendeu a ler e a escrever a mesma língua que você já falava.

Em outras palavras, como argumenta Vanbrugghe (2013, p. 166), você desconhece ou conhece pouco “[...] as consequências de uma construção linguageira, fundada na exploração das potencialidades visuogestuais”.

 

 

Esse aspecto é essencial para pensar modelos de alfabetização e letramento de crianças surdas, bem como o ensino de Português como segunda língua para surdos ao longo dos anos da Educação Básica, sobretudo, porque, no Brasil, ainda não há clareza suficiente sobre o modelo científico, educativo e pedagógico da leitura e da escrita no contexto da surdez.

A partir de agora, você vai conhecer um pouco mais sobre as especificidades dos processos envolvidos na apropriação da leitura-escrita pelo aprendente[1] surdo.

Vamos iniciar com uma reflexão acerca do papel da primeira língua de sinais nesse processo. Em seguida, vamos explorar um pouco os processos cognitivos implicados na apropriação da leitura-escrita. Por fim, discutiremos acerca da noção de “interlíngua” no processo de apropriação de uma segunda língua pelo aprendente surdo.


[1] O conceito de “aprendente” nos permite englobar em nossa discussão todo o público em situação de aprendizagem de línguas-culturas que os termos “aluno” ou “estudante” não contemplam. Além disso, a noção de “aprendente”, segundo Puren (1995, p. 129), afirma, pela forma ativa do adjetivo verbal, a concepção de aprendizagem como atividade pessoal do sujeito aprendente.