2.3 Os processos cognitivos da escrita

A maior parte dos estudos brasileiros sobre o ensino e o processo de apropriação da escrita pelos aprendentes surdos se resume a identificar e descrever os erros de sua produção sem, no entanto, apresentar hipóteses de solução e/ou indicar encaminhamentos didático-pedagógicos para fazer progredir suas aprendizagens.

Perini e Righini-Leroy (2008) lembram que as dificuldades do aprendente surdo na apropriação da escrita não estão, necessariamente, ligadas à surdez. As autoras argumentam que um dos fatores que pode explicar as dificuldades são os métodos utilizados para o ensino de escrita para o público surdo “que pressupõe um processo de aprendizagem idêntico entre surdos e ouvintes” (p. 81).

A escrita é cognitivamente diferente da leitura, trata-se de um processo descendente que parte do geral para a palavra isolada. Nesse processo, o aprendente escritor surdo precisa determinar a estrutura do texto que ele vai produzir, construir os parágrafos sobre os pontos principais do tema escolhido, construir frases gramaticais e ordená-las adequadamente, escolher o vocabulário adequado e, também, produzir uma escrita inteligível (Courtin, 2002). Em todas essas etapas, o aprendente escritor surdo precisa levar em consideração os conhecimentos do leitor, isto é, do público a que pode se destinar a sua produção.

 

A escrita exige, portanto, como pré-requisito um bom desenvolvimento sociocognitivo, isto é: “[...] a capacidade de compreender que o outro não compartilha dos mesmos pensamentos, conhecimentos, habilidades e gostos que nós, ou seja, a habilidade de se adaptar a seu interlocutor” (Perini, 2013, p. 31). Você deve guardar em sua mente que ler e escrever são atividades que pressupõem os pré-requisitos de reconhecer e exprimir conceitos pela escrita. Por isso, o aprendente leitor-escritor surdo precisa dispor desses conceitos antes de poder lê-los ou escrevê-los e você não pode esquecer de que sua aquisição se dá por meio das conversações diárias na primeira língua de sinais (Courtin, 2002).

A premissa básica para pensar as especificidades da apropriação da leitura-escrita pelos surdos é que, nesse processo, o aprendente leitor-escritor surdo precisa se apropriar da representação visuográfica (a escrita) da oralidade vocal (a fala) de uma língua (o português), a qual ele ou não tem acesso ou tem acesso parcial. De tal modo, ele se vê compelido a representar a única oralidade a qual ele tem pleno acesso (a visuogestual da Libras) por meio da representação visuográfica da língua portuguesa. Assim, nos estágios mais iniciais da apropriação da escrita, o aprendente escritor surdo vai “transcrever” a Libras utilizando os recursos gráficos da escrita em português. Isso tem caracterizado os estágios iniciais de sua interlíngua.

Na próxima seção, você poderá aprofundar um pouco mais seus conhecimentos acerca da apropriação da escrita pelo aprendente surdo, através da breve discussão que propusemos sobre a emergência das interlínguas do aprendente leitor-escritor surdo.