Módulo 1: Fundamentos da Educação Bilíngue de Surdos (Livro Digital)
1. O que é Educação Bilíngue de surdos?
Neste primeiro momento, você vai aprender um pouco mais sobre o conceito de Educação Bilíngue de Surdos. Para isso, vamos retomar brevemente alguns momentos históricos desde a emergência do status linguístico da língua de sinais, as lutas das comunidades surdas pela educação na perspectiva bilíngue até a instituição da educação bilíngue como uma das modalidades educacionais na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), através da Lei n.14.191, de 3 de agosto de 2021 (Brasil, 2021).
Inicialmente, é importante registrar que a Educação Bilíngue de Surdos trata de uma modalidade educacional que visa a escolarização das pessoas surdas a partir da aquisição da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e da aprendizagem do português escrito na condição de segunda língua.
Conforme previsto na LDB (Brasil, 1996),
Art. 60-A. Entende-se por educação bilíngue de surdos, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em Língua Brasileira de Sinais (Libras), como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdocegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos.
Na perspectiva da educação bilíngue, a Língua de sinais é a língua de comunicação, interação, instrução e ensino, e o português escrito é a língua presente nos recursos instrucionais e a língua alvo desse ensino (Brasil, 2022). Vejamos no quadro a seguir o que cada um desses pontos significam.
Quadro 1 - Explicação sobre língua de instrução, de ensino, de comunicação e de interação
Fonte: INEP. Glossário da Educação Especial - Censo Escolar 2022 (Brasil, 2022).
Para Machado (2023, p.71) o conceito de educação bilíngue de surdos estabelece inter-relações entre educação, linguagem, cultura e surdez, de modo que posições embasadas “somente na perspectiva de uma dessas áreas não dariam conta de explicar e interpretar as tensões, conflitos, rupturas e descontinuidade existentes, historicamente na educação de surdos”. Para o autor, ainda que conceitualmente impreciso, o termo educação bilíngue de surdos indica mais que “o domínio, em algum nível, de duas línguas; mobiliza, portanto, outros olhares sobre a diferença cultural surda nas questões curriculares relacionadas a esses sujeitos”.
Nesse sentido, a educação bilíngue de surdos aciona outros parâmetros conceituais, teóricos e metodológicos para além daqueles processos de educação bilíngue relacionados às línguas orais auditivas.
Você já parou para observar que nas escolas bilíngues de língua oral, como as escolas internacionais (português-inglês, por exemplo), a segunda língua geralmente é a língua de interlocução e instrução, já que os alunos podem ter sido expostos à língua primária em seu ambiente familiar?
Por outro lado, nas escolas bilíngues de surdos, a língua de sinais muitas vezes é a primeira língua dos alunos surdos, e a língua falada é introduzida como segunda língua. Isso acontece porque os estudantes surdos, em sua maioria, dependem do ambiente escolar para o acesso à sua primeira língua (língua de sinais). Assim, a escola desempenha um papel crucial não apenas no ensino da segunda língua, a língua oficial na modalidade escrita, mas também na aquisição e no desenvolvimento da língua de sinais como primeira língua.
Essa diferença destaca a importância de reconhecer as necessidades específicas dos estudantes surdos e garantir que eles tenham acesso a ambientes educacionais que valorizem e promovam o desenvolvimento de sua língua de sinais, bem como a aprendizagem da língua escrita.
Se procurássemos fazer um breve exercício de retomada histórica sobre a emergência da educação bilíngue, certamente precisaríamos lembrar de alguns pontos, tais como o fortalecimento dos movimentos das pessoas surdas sinalizantes; a articulação com os intelectuais ouvintes e a entrada da língua de sinais nas universidades; a língua como a marca política e identitária dos movimentos surdos sinalizantes e, mais recentemente, das metodologias, princípios e estratégias pedagógicas relacionadas à implementação da modalidade bilíngue nas escolas (Bär, 2019).