Módulo 1: Fundamentos da Educação Bilíngue de Surdos (Livro Digital)
3.1 Visualidade
Para iniciar, precisamos pontuar o que compreendemos como visualidade no contexto da educação bilíngue. Para isso, recorremos à explicação de Skliar (2013, p. 28), segundo a qual a experiência visual implica “que todos os mecanismos de processamento da informação, e todas as formas de compreender o universo em seu entorno se constroem como experiência visual”. Dessa maneira a experiência visual dos surdos abrange mais do que apenas a língua de sinais, pois toda a compreensão de mundo ocorre de forma visual.
Bär (2019, p. 207) afirma que essa compreensão ampliada acerca da experiência visual dos surdos, quando transposta para as práticas pedagógicas, “poderia ser um passo além da visão restritiva da língua de sinais como mero recurso de apoio didático focado na perda auditiva”.
Vejamos o que Campello (2007) nos diz sobre essa temática:
Essa experiência pode ser evidenciada nos complexos comunicacionais dos seres humanos em geral. Analisemos nas artes gráficas, por exemplo, uma evolução da tecnologia em desenvolver ferramentas que pudessem representar, de forma adequada, a tridimensionalidade das expressões corporais, faciais e sinestésicas empregadas nas histórias em quadrinhos. Tomemos como representante dessa categoria as criações de Walt Disney. As personagens não só usam a língua oral, mas também fazem uso de uma infinidade de recursos extralinguísticos e, provavelmente, sem esse uso de expressões faciais e corporais, Walt Disney não tivesse o reconhecimento que tem até hoje. No entanto, essa “experiência visual” não foi teorizada e nem considerada por inúmeras e infindáveis pesquisas que se ativeram na investigação da língua em si mesma, desconsiderando seu uso e o contexto comunicativo em que ela se amalgama. É, a partir da influência da “cultura visual” que faz parte da visão e conhecimento de mundo, da mudez, do silêncio do ser “não-escutante”, mas do ser “expressante” que novos rumos são postos às pesquisas das línguas humanas, em geral. O fato de que o ser humano se vale de uma infinidade de recursos visuais para dar sentido ao que quer “dizer” nos remete à capacidade do surdo em se valer desses recursos para legitimar uma língua e sua cultura e essa capacidade nos faz repensar o que foi posto de lado pelos positivistas que impuseram uma supervalorização da audição e da fala dos “não-surdos” (CAMPELLO, 2007, p. 137).
No entanto, alguns fatores dificultam o uso apropriado e efetivo dos elementos visuais em contextos de aprendizagem, de modo geral e, de modo mais específico, na educação bilíngue. Isso pode estar relacionado às fragilidades conceituais no que se refere ao conceito de visualidade. No contexto da educação de surdos, muitas vezes se confunde a visualidade com estratégias imagéticas que pouco contribuem para a aquisição dos conceitos tratados. A imagem estática assume um papel meramente alegórico e ilustrativo.
Por outro lado, diferentes autores (Marshark, 2017; Nóbrega, 2015) têm afirmado a necessidade de maiores estudos acerca da relação entre surdos, visualidade e aprendizagem. A visualidade não seria uma característica ou habilidade inerente ao sujeito surdo, mas algo que também precisa ser aprendida e, para isso, trabalhada nos contextos pedagógicos.