2. Metodologias para o ensino de ciências humanas nos anos iniciais com estudantes surdos

Pensar uma abordagem metodológica para o ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos demanda compreender os fundamentos epistemológicos das disciplinas que compõem essa área, bem como respeitar a singularidade linguística e cultural dos estudantes surdos.

A História, por exemplo, deve ser ensinada de maneira acessível, visual e contextualizada, priorizando a experiência sensorial e o espaço visual como elementos centrais da aprendizagem. Isso porque, “a cultura surda constitui-se na e pela experiência visual dos sujeitos surdos” (Quadros, 2008, p.17).

De acordo com Bittencourt (2018, p. 17),

"o ensino de História deve possibilitar ao aluno compreender o tempo histórico, as relações sociais e os conflitos presentes na sociedade".

Essa compreensão só é possível quando se parte da realidade concreta do aluno, algo essencial para os estudantes surdos, cujas experiências linguísticas e sociais são distintas das de alunos ouvintes.

Como defende Fermiano (2014), é preciso integrar teoria e prática em propostas pedagógicas que partam da vivência dos estudantes, promovendo a construção de sentidos a partir de seus referenciais culturais e linguísticos. Isso se articula com os princípios da Educação Bilíngue, que pressupõe o uso da Libras como primeira língua e do português como segunda, o que implica metodologias diferenciadas de ensino e avaliação.

Ensino_história

Miceli (2021) destaca que o ensino de História precisa superar a simples narração de fatos para tornar-se um espaço de problematização e construção do conhecimento, propondo uma "pedagogia da História" que dialogue com o cotidiano dos estudantes.

Nessa perspectiva, como afirmam Eisenberg e Lemos (2009, p. 6), “reconhecer a cultura surda na escola é afirmar a legitimidade de um modo próprio de existir no mundo”.


No ensino de Geografia, por sua vez, destaca-se a importância de desenvolver nos estudantes a leitura crítica do espaço geográfico, promovendo a articulação entre o espaço vivido e os conceitos científicos.

Conforme defende Cavalcanti (2011) no texto Aprendendo a ler o mundo: a Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental, é fundamental ensinar a ler o espaço como texto, a partir de experiências concretas dos alunos e de seus territórios. A autora afirma que:

"a Geografia escolar deve ensinar a criança a ler o mundo, a compreender as relações sociais nele inscritas e a reconhecer-se como sujeito dessas relações" (Cavalcanti, 2011, p.43).

Essa leitura do mundo torna-se ainda mais relevante quando se pensa na Educação de Surdos, uma vez que os recursos visuais e a observação do espaço são elementos já presentes na forma como esses estudantes se relacionam com o meio.

O ensino de Geografia, nesse contexto, pode explorar mapas táteis, vídeos em Libras, maquetes e excursões, valorizando a observação e a construção coletiva do conhecimento. Nesse processo, é essencial reconhecer que a identidade surda é marcada pela experiência da diferença e pelo uso da Libras como língua de pertencimento.

Ensino_geografia

A BNCC (Brasil, 2018) também reforça a importância da valorização da diversidade e da acessibilidade no ensino das Ciências Humanas, ao afirmar que a área deve “contribuir para que os estudantes compreendam os processos históricos e geográficos em sua complexidade, reconhecendo diferentes culturas, tempos e espaços como constitutivos das identidades individuais e coletivas” (p.387).

O ensino de Ciências Humanas na Educação Bilíngue de Surdos deve incorporar pressupostos interdisciplinares, que considerem a experiência visual e a construção identitária dos surdos como centrais para o processo educativo. Ao promover a articulação entre História e Geografia, e ao valorizar o espaço vivido, a memória, a linguagem visual e o pensamento crítico, essa abordagem se torna um instrumento potente de formação cidadã.

O desafio é garantir práticas que, além de acessíveis, sejam transformadoras e que respeitem os modos de ser e de aprender dos sujeitos surdos, promovendo não só o conhecimento acadêmico, mas também o fortalecimento de suas identidades culturais e linguísticas.

Para isso, a perspectiva bilíngue deve estar presente em todos os momentos do planejamento, desde a seleção dos conteúdos até a avaliação das aprendizagens.

Até agora vimos alguns pontos teóricos importantes sobre o ensino de ciências humanas na educação bilíngue, mas como podemos fazer isso na prática?

Na sequência veremos alguns exemplos de como podemos construir conhecimentos das ciências humanas em contextos bilíngues.