MÓDULO 1: A criança surda e o desenvolvimento da linguagem

1. Construção e desenvolvimento da linguagem

Você já se perguntou sobre como ocorreu o seu desenvolvimento da linguagem? Quando começou a ter interações por intermédio de sons e palavras ou gestos e sinais?

Talvez você não lembre exatamente desse momento, por conta da naturalidade que isso ocorre na vida de uma criança. Quando compartilhamos a língua da nossa família, é comum que não paremos para pensar sobre isso. Aqui no Brasil, a maioria das famílias é falante de português e têm interações com seus bebês já na gestação. Podemos chamar esse processo pelo qual os bebês vão se apropriando da língua falada em seu entorno de aquisição da linguagem.

E o que difere a linguagem humana de outras formas de comunicação?

De acordo com Grolla e Silva (2014), os animais também possuem sistemas de comunicação que os permitem interagir com seus pares. Em muitos casos, são formas sofisticadas de comunicação que envolvem sons, danças e outros aspectos que são utilizados com fins comunicativos. Segundo as autoras, os animais utilizam a linguagem “apenas” para comunicar alguma informação, enquanto nós, humanos, podemos usar a linguagem para diferentes propósitos, seja para julgar, convencer, ameaçar, discutir, planejar, entre outros.

A flexibilidade e a versatilidade caracterizam a linguagem humana, isto é, essa capacidade que temos de usar a língua para falar de planos, sentimentos, assuntos referentes ao passado, futuro e presente (Lyons, 1987 apud Grolla e Silva, 2014).

As características acima mencionadas independem da língua a ser desenvolvida, sejam línguas orais ou de sinais. Além disso, a aquisição da linguagem apresenta a uniformidade e a universalidade como particularidades uma vez que, em qualquer lugar do mundo, as crianças passam por estágios semelhantes e desenvolvem uma língua em um curto período de tempo (cerca de cinco anos).

É importante ressaltar que o processo de aquisição da linguagem seguirá essas etapas, independente do lugar e da língua, sempre que a criança tiver acesso à língua, ou seja, ao input linguístico.

O input linguístico são os dados primários da língua (Primary Language Data) e, é com base nesses dados que a criança formula uma série de hipóteses concernentes à gramática da sua língua, até chegar a sua última forma, a gramática do adulto (Neves, 2013).

Você sabia que é justamente o input linguístico que vai definir quais línguas a criança vai falar/sinalizar e até como vai adquirir línguas de diferentes modalidades? Ao ter contato com uma língua oral/auditiva (como o Português) e uma língua visual/espacial (como a Libras), a criança poderá desenvolver o que chamamos de bilinguismo bimodal.

As crianças ouvintes filhas de pais surdos, as chamadas Codas (Children of deaf adults) possuem contato com línguas de modalidades distintas desde o nascimento e, naturalmente, desenvolvem as duas línguas de forma concomitante. Estudos sobre o bilinguismo bimodal têm mostrado que o contato com as duas línguas não prejudica o desenvolvimento linguístico das crianças, uma vez que elas passam pelos mesmos estágios de aquisição da linguagem com as especificidades relacionadas a cada modalidade.

Tais aspectos são importantes e mostram que o acesso à língua de sinais não atrapalha as crianças surdas que são submetidas ao tratamento fonoaudiológico para desenvolvimento da oralidade, ou seja, a aquisição da língua de sinais pode ocorrer simultaneamente ao processo de oralização, se for um desejo da família e da criança.

Vale ressaltar que, neste momento, estamos falando sobre a aquisição da língua oral e da língua sinalizada, processo que acontece de maneira natural, e é utilizada para a comunicação e não sobre o processo de apropriação da escrita da língua portuguesa. O processo de aprendizagem da escrita veremos um pouco mais adiante.

Antes de falarmos especificamente de aquisição da língua de sinais pela criança surda, é interessante entendermos que diferentes teorias explicam essa apropriação da língua de maneiras diferentes.

Para saber mais!

Se você quiser aprender um pouco mais sobre bilinguismo bimodal, sugerimos a leitura da obra “Língua de Herança: língua brasileira de sinais”, de Ronice Müller de Quadros.