4.1 O lugar do português escrito no bilinguismo surdo

Por muito tempo, a apropriação da segunda língua esteve ligada às situações de uso do português escrito no domínio educacional apenas, isto é, para fins acadêmicos na realização das atividades escolares. Contudo, nas últimas décadas, está ficando cada vez mais evidente que o português é uma língua não apenas para o acesso aos conhecimentos registrados na forma escrita pelos surdos, mas, igualmente, uma língua de comunicação.

O advento, a expansão e a massificação do uso das tecnologias digitais para a comunicação colocaram em evidência a modalidade instantânea ou direta da comunicação escrita (quando a mensagem enviada é recebida imediatamente pelo receptor), sobretudo, via aplicativos de mensagens como o WhatsApp, por exemplo. Assim, a comunicação escrita deixou de ser exclusivamente na modalidade diferida (quando entre a emissão e a recepção existe um intervalo temporal). Portanto, seu uso não está e não pode ficar restrito ao ambiente da sala de aula.

Diante desse novo cenário, Quadros (2019) chama a atenção para o processo de ressignificação da relação dos surdos com o português escrito, desencadeado pelo avanço da tecnologia. De acordo com a autora, “os surdos têm usado o português nas redes sociais para interagir uns com os outros e isso é importante, pois o português passa a ter sentidos reais de uso em suas vidas” (Quadros, 2019, p. 152).

Neste processo de ressignificação, apontado por Quadros (2019), nós temos observado também a emergência de uma dimensão política no uso da segunda língua pelos surdos, sobretudo nas redes sociais. Em momentos que nos parecem estratégicos, os vídeos em Libras, produzidos em contextos não formais, são acompanhados do mesmo conteúdo em português escrito (seja uma versão ou um resumo), como você pode ver nos dois exemplos abaixo:

Fonte: Vilhalva (2023)

Isso nos leva a inferir que surdos bilíngues têm a consciência de que o alcance da comunicação por meio do português escrito, para defender as causas do movimento surdo, é muito maior do que o da Libras e/ou que seu discurso em Libras ficaria restrito à comunidade surda e aos ouvintes sinalizantes sem a utilização dessa estratégia comunicacional.

Fonte: Lima (2023)

Você Sabia?

Shirley Vilhalva é surda. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Possui graduação em Pedagogia e mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Marisa Lima Dias é surda. Professora Adjunta da Universidade Federal de Uberlândia. Possui doutorado em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia e mestrado pela Universidade de Brasília. Graduada em Letras Libras e Pedagogia. Atualmente, é Coordenadora Geral de Atendimento Especializado, da Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão-SECADI do Ministério da Educação (MEC).

Em outras palavras, muitos surdos parecem estar utilizando o português escrito como um instrumento para fazer valer seus direitos diante da comunidade ouvinte brasileira. Outro aspecto importante no que tange aos novos possíveis usos do português escrito pelos surdos, diz respeito à sua integração profissional nos grupos de WhatsApp, em que as informações, dependendo do contexto de trabalho, são transmitidas exclusivamente ou majoritariamente por meio do português escrito.

E você, já tinha pensado sobre o contexto de utilização do português escrito pelos surdos nos dias de hoje?