Livro 3 - Práticas de alfabetização e letramento para crianças surdas (Livro Digital)
3. Construção de repertórios: exercitando a leitura de mundo
Você já reparou que muitas atividades de português, sobretudo de leitura, iniciam com discussões relacionadas ao conhecimento prévio dos alunos?
Já parou para pensar na especificidade desse processo no âmbito dos alunos surdos que, muitas vezes, passam por privação linguística e, consequentemente, não têm acesso a muitos conhecimentos de mundo que possibilitem essa discussão prévia?
Como visto no módulo 1, diferente das crianças ouvintes que iniciam o processo de aquisição da língua em seus lares e chegam à escola com uma base linguística e conhecimento enciclopédico construído a partir das suas interações orais, as crianças surdas precisam desenvolver tais conhecimentos na escola.
É por isso que, muitas vezes, os alunos não se engajam nessas atividades ou até se frustram ou se distanciam da língua portuguesa, achando que “é muito difícil” ou que “não conseguem aprender”.
Você conhece essa citação de Paulo Freire? O que ela significa? Imagine que você quer ensinar os gêneros textuais aos alunos surdos, mas eles não compreendem os contextos de uso por não terem vivências relacionadas a tais contextos ou não terem acesso às informações sobre o que está acontecendo quando estão nesses contextos devido à ausência de uso da língua brasileira de sinais. Os alunos poderão até reproduzir ou copiar o que os professores estão indicando, mas não haverá um aprendizado significativo, pois os alunos não compreenderam o contexto e esse conteúdo terá que ser repetido várias vezes. Você já passou por isso? Ter que repetir o mesmo tema várias e várias vezes para os alunos?
Compreendemos, dessa forma, que, para desenvolver a leitura, é imprescindível que os alunos acessem o mundo à sua volta. No caso dos alunos surdos, que muitas vezes experienciam a privação linguística em diferentes contextos, esse acesso é reduzido. É na escola, então, que essa ampliação de repertórios e de acesso deve ser ofertada pelos professores e experienciada pelos alunos.
Pensar em alfabetização e letramento para alunos surdos, dessa forma, é pensar em dois lados de uma moeda, pois, como aponta Fernandes (2003), o professor deve desenvolver estratégias que minimizem possíveis dificuldades dos alunos surdos que não possuem conhecimentos prévios.
Karnopp (2012) chama a atenção para a forma como a língua portuguesa vem sendo trabalhada nas escolas com os alunos surdos.
Por outro lado, compreender que os alunos surdos possuem muitas vezes um acesso reduzido a vários conhecimentos de mundo não significa que eles não possuem nenhum. Levar em consideração o que os alunos surdos já sabem ou até partir desses conhecimentos para ampliá-los, tornam as práticas em sala de aula mais significativas e interessantes, promovendo um maior engajamento desses alunos.