7. Práticas de linguagem: desenvolvendo habilidades, competências e conhecimentos de escrita

Trabalhar práticas de linguagem que desenvolvam as habilidades, as competências e os conhecimentos relacionados a análise linguística da língua portuguesa e a sua sistematização, como vimos no tópico anterior, não é o fim das aulas de português. Os conteúdos e as atividades desenvolvidas no momento de processamento da linguagem da unidade didática possibilitam que o aluno tenha capacidade para lidar com os recursos linguísticos disponíveis para a produção de sentido nos textos escritos que irá elaborar.

Ter exercitado a leitura de mundo, ampliado o repertório sociocultural e refletido em Libras sobre os temas pertinentes aos textos trabalhados dá ao aluno surdo a capacidade de se engajar sobre questões relacionadas a tais temas.

Ter discutido e até experienciado os usos da língua portuguesa, mais especificamente dos gêneros textuais, a partir das práticas sociais em que ela está inserida e lido/traduzido textos em português permitem que os alunos adquiram ou ampliem seu vocabulário, entendendo os contextos de uso (gerais e específicos).

Ter refletido sobre os aspectos sistemáticos da língua portuguesa, desde a ortografia, passando pela morfossintaxe e pela semântica e alcançando a textualidade, instrumentaliza o aluno surdo para articular os recursos da língua portuguesa para se expressar na tentativa de produzir um sentido assertivo em sua comunicação.

 

A proposição de atividades de escrita é indispensável para desenvolver habilidades, competências e conhecimentos nessa produção de sentido em língua portuguesa que o aluno surdo realizará em suas práticas comunicativas escritas.

Antes de pensarmos sobre práticas de alfabetização e letramento que podemos propor relacionadas à escrita, vejamos alguns pontos importantes desenvolvidos por Peixoto (2015).

Os alunos surdos, assim como os ouvintes, só aprenderão a escrever, escrevendo; portanto é fundamental que as professoras encorajem-se para se defrontar com as escritas que vão aparecer, escritas de interlíngua. Além disso, a imagem não deve ser pretexto para modificação dos textos que devem chegar até o aluno tais quais foram produzidos, textos reais, assim como acontece fora da escola.

O receio das professoras em pedir que o surdo escreva - ele mesmo – textos completos e inteiros, parece ser parte de um fenômeno maior que congrega por um lado, o desconhecimento sobre a importância do texto e sobre as particularidades que o definem, e, por outro, as dificuldades referentes à língua de sinais em particular com a tradução e o manejo das estruturas gramaticais que diferem nas duas línguas.

Influenciadas por uma visão cumulativa (estruturalista) sobre a língua, nas observações de Peixoto, as professoras agiam como se o texto fosse um somatório de frases, desconsiderando que os elementos das frases precisam dialogar e que as frases devem conectar-se umas a outras de forma coesa, assegurando a unidade do texto e assegurando que os objetivos comunicativos sejam atendidos.

Peixoto (2015) relata que ao longo de um ano escolar foi possível observar, nas atividades dos professores com os alunos, poucas produções de texto e na maior parte delas o convite feito aos alunos era para a produção de frases que, unidas - supostamente - formariam o texto. O resultado parecia mais um conjunto de enunciados (frases simples) separados por ponto final do que um texto propriamente dito, com poucos ou com nenhum elemento de ligação entre as frases (como conjunções, pronomes relativos etc.).

Se escrever é difícil para todos, escrever em uma 2ª língua é ainda mais, especialmente para as crianças surdas que estão ao mesmo tempo aprendendo a escrever e aprendendo a língua, já que, apesar de estarem em espaços nos quais há predominantemente interlocutores ouvintes, não têm acesso (ou têm com dificuldades) à modalidade oral da língua. Tudo é novo, a escrita e o Português.

Além disso, a pouca idade e a pouca experiência acadêmica não permitem que essas crianças tenham clareza suficiente de que estão aprendendo a escrever em uma língua diferente da sua, potencializando assim as “misturas” (que sabemos, ocorrem em todos os sujeitos bilíngues) entre os parâmetros das duas línguas (Peixoto, 2015).

Peixoto observou que a escrita dos alunos surdos desestabiliza a professora: sobram ou faltam artigos, preposições são colocadas no lugar errado, falta concordância de número e gênero entre as partes, os verbos se flexionam de maneira equivocada ou ficam no infinitivo, só para citar algumas situações.

A distância entre o que produzem e a escrita “esperada” parece inibir as professoras diante da tarefa que lhes compete, especialmente porque elas próprias têm dificuldades de compreender e manejar as diferenças entre Libras e Português. Os aspectos morfossintáticos do texto são os mais difíceis e, por isso mesmo, deveriam ser os mais problematizados. Entretanto, o que de fato acontece é que são - quase sempre - ignorados e as intervenções da professora acabam se centrando mais na ortografia das palavras.

Talvez por preocuparem-se principalmente com a escrita de palavras, em particular substantivos, adjetivos e verbos, as professoras conseguiram problematizar com mais frequência principalmente as diferenças no que diz respeito a gênero (mais identificado com a terminação em “a” ou “o”) e número (presença ou ausência da letra “s” no final da palavra); a flexão verbal também foi um pouco problematizada.

Outros aspectos como uso apropriado da preposição, ordem dos elementos no enunciado, conectivos, grau do substantivo e adjetivos apareceram nas situações didáticas, nas produções em sala dos alunos, mas não foram problematizados pelas professoras.