3.4 O fazer narrativo e o narrador

Se você está se preparando para trabalhar com narrativas infantis sinalizadas, determinadas posturas são imprescindíveis de serem adotadas. Para Dohme (2013), um narrador que permanece sentado, sem expressão facial e corporal, sem explorar todas as suas habilidades corporais com o objetivo de envolver o espectador na história, não pode ser considerado um bom narrador.

Fonte: Imagem do Projeto Era uma vez em Libras, cedida por Michelle Luisa Teixeira

A preparação do narrador é fundamental, pois seus gestos, voz e a escolha de suas estratégias devem estar coerentes com a narração, dando vida ao conto. Esses são detalhes fundamentais em se tratando de um público-alvo composto por crianças, pois, do contrário, é possível que fiquem confusas durante a narrativa e não compreendam claramente o texto.

É importante que o narrador esteja atento aos exageros, pois pode eles podem tirar o foco do roteiro e de pontos cruciais no corpo do conto. Precisa encontrar o equilíbrio para contagiar as crianças através de sua atuação interativa.

Na contação em língua de sinais o narrador precisa ter a sensibilidade de perceber que, em alguns momentos,  nenhum sinal é necessário, basta uma expressão facial para transmitir o sentimento daquele trecho às crianças. O narrador não pode ser uma pessoa inibida, precisa se desprender de qualquer limitação interpretativa que possa levar a um autojulgamento de estar sendo ridículo.

As contribuições de Rigolet (2009) abordam questões do trabalho com a literatura infantil. Com base em suas experiências com narrativas infantis, a pesquisadora apresenta alguns aspectos que NÃO são recomendados:

Essas estratégias podem reduzir drasticamente a possibilidade de a criança imaginar, de imprimir sua criatividade na construção da história, de criar formas, características e cenários. Circular com o livro pela sala não garante que todas as crianças tenham acesso à visualização de forma satisfatória, além de criar duas frustrações: a primeira, é a de não ser contemplada com a liberdade de criar seu próprio cenário para a história, e a segunda, de não ter uma visualização plena das ilustrações do livro.

Além do mais, isso pode levar à dispersão da atenção, à perda do interesse por não provocar nelas aquele mistério da sucessão dos acontecimentos, o suspense da intriga e todo encantamento que somente a musicalidade da narração pode garantir.

Então, quais são as estratégias ideais a serem adotadas durante as narrativas?

É ideal que o narrador esteja atento a:

Tanto crianças ouvintes quanto surdas podem fazer uma analogia entre o que imaginaram e a ilustração escolhida pelo autor. É possível que elas comentem umas com as outras sobre suas impressões do que imaginaram e do que foi ilustrado.

Nelly Coelho (2000) salienta a importância da exploração de recursos visuais no trabalho com narrativas infantis. Recomenda o uso de imagens em data show ao fundo, durante a narrativa, contanto que o narrador não seja o responsável por trocar as imagens. Então, se você costuma usar o data show como recurso visual, acertou em cheio!

Caso a história seja traduzida e interpretada por um tradutor-intérprete de Libras, sabe-se que ele não é o responsável pela seleção das histórias, mas pode ajudar o professor a selecionar temas que sejam de interesse não somente das crianças surdas, mas também das crianças ouvintes. Conhecer a história que será interpretada é importante para que esse profissional possa se preparar melhor para o momento de atuação.

O narrador, seja o professor ou o intérprete, pode e deve detalhar a descrição de cenários, personagens e organização espacial. Durante a interpretação da história, o narrador adota estratégias visuais que favorecem a identificação e a relação desses elementos. Esse processo ocorre primeiramente na mente do narrador, que precisa organizar a relação de sentidos no espaço de enunciação com o objetivo de chegar à percepção visual da criança de forma coerente e significativa.

Atividades planejadas de contação de histórias são importantes, pois partem de objetivos claros e ajudam a observar de forma mais focada o envolvimento das crianças. A forma como o narrador se dirige ao espectador provoca a interação e essa acontece em meio à narrativa, durante o fluir da imaginação. Mesmo que a criança não se manifeste em meio à narrativa, pode estar interagindo produzindo imaginação.

Observar o comportamento da criança surda enquanto o narrador intérprete de Libras traduz e interpreta as histórias pode ser um momento rico de descobertas e de produção de novos significados na atividade de narrativas infantis.

Ao final, o narrador pode oportunizar diferentes formas de interação sobre a narrativa, oferecendo oportunidades para a criança se posicionar e expor seu conhecimento. Isso pode contribuir para tornar a criança mais proativa e produtiva, desinibida e participativa. Um adulto com esse perfil tem mais chances de agir sobre sua realidade e contribuir em sua comunidade.