3.6 O fazer narrativo em sala de aula

Imagine a seguinte situação:

Você está com sua turminha na sala de aula e hoje é dia de contação de histórias.

Você já planejou sua aula e traçou seus objetivos.

Selecionou a temática coerente com tudo que planejou.

Preparou-se para a contação da história, estudando o texto e a tradução e interpretação em Libras.

Escolheu um adorno para chamar a atenção das crianças e solicitou o data show para projetar imagens da história, evitando que você interrompesse o momento do conto mostrando imagens.

E agora, chegou a hora de iniciar a história!!

Para te ajudar na construção desses momentos tão importantes no processo didático-pedagógico dos pequenos, vamos sugerir algumas ideias e apresentar propostas e experiências para o uso da literatura infantil.

O livro Cinderela Surda conta a história de uma princesa surda que se apaixona por um príncipe também surdo. No lugar do sapato de cristal, a personagem principal perde uma das luvas. A escolha da luva se dá em virtude de essa peça ser uma referência às mãos, amplamente utilizadas pelos surdos do mundo inteiro para se comunicar.

Fonte: porsinal.pt

Além disso, o fato de os personagens principais serem surdos, coloca as pessoas surdas como protagonistas no roteiro da história. Enfatizar essa característica nos personagens principais, eleva a autoestima das crianças surdas, que se percebem em igualdade em relação às pessoas ouvintes, considerando que os clássicos infantis sempre trazem pessoas sem deficiência como protagonistas.

O livro, desenvolvido por Lodenir Becker Karnopp, Caroline Hessel e Fabiano Rosa, além de abordar o uso da Libras, considerando que os personagens são surdos, também apresenta o texto na escrita da língua de sinais (SignWriting).

Uma oportunidade de fazer transitar nas atividades em sala de aula, os artefatos da cultura surda, presentes, principalmente, na língua de sinais.


Fonte: porsinal.pt

No livro Rapunzel Surda, dos mesmos autores de Cinderela Surda, Rapunzel foi tomada dos pais ainda bebê pela bruxa. Assim que a menina cresceu, a bruxa percebeu que a menina não ouvia, mas tinha uma grande atenção visual. Rapunzel começou a apontar para o que queria e a fazer gestos para muitas coisas. A bruxa então descobriu que a menina era surda e começou a usar alguns gestos com ela.

O texto pode ser explorado para demonstrar que as diferenças não afastam, mas aproximam, incentivando que todos podem ter interesse em aprender Libras.


Fonte: porsinal.pt

O livro Patinho Surdo, de Fabiano Rosa e Lodenir Karnopp, conta a história do nascimento de uma ave pertencente a outra espécie em um ninho de cisnes ouvintes. Por conta da diferença, há dificuldade na comunicação entre eles. No livro, o protagonista reencontra a sua família e aprende a linguagem de sinais usada pelos bichinhos da lagoa.

Algo comum entre os contos infantis é a tendência a motivar a sensibilidade do leitor em relação às diferenças linguísticas que podem afastar as minorias linguísticas e dificultar o estabelecimento de relações entre os pares. Mesmo assim, ainda é possível explorar outras temáticas igualmente importantes para o desenvolvimento social das crianças, sejam elas surdas ou ouvintes.


Fonte: porsinal.pt

A história de Adão e Eva nunca foi tão original. Os autores Lodenir Karnopp e Fabiano Rosa, produzem uma adaptação na qual a origem da língua de sinais se dá através da criação do casal Adão e Eva. Na história, os dois ficam sem roupa após comerem a maçã e veem-se obrigados a usar a fala, já que as mãos estão ocupadas em esconder a nudez dos corpos. O texto não deixa claro se Adão e Eva eram surdos ou ouvintes, apenas foca no objetivo de refletir sobre a possibilidade de as línguas de sinais serem utilizadas por diferentes comunidades, sejam elas ouvintes ou surdas. Um glossário ao final do livro é uma tentativa de fazer com que leitores que não saibam Libras possam aprender alguns sinais e, assim, iniciar o aprendizado.

O texto promove a oportunidade de propor uma aula para discutir sobre as amarras sociais que impedem os surdos de viverem livres, assim como os personagens precisaram usar as mãos para se esconder, já que estavam sem roupas, o que os proibiu de usar as mãos para se comunicarem. O oralismo como forma de comunicação majoritária, sem a difusão da Libras, aprisiona as pessoas surdas nessa condição. Promover essa reflexão em sala de aula é uma boa sugestão para a construção da empatia e da inclusão.


Fonte: porsinal.pt

As autoras Maria Aparecida Oliveira, Maria Lúcia Oliveira e Ozana Carvalho, contam no livro Um mistério a resolver: o mundo das bocas mexedeiras, a história de Ana, uma menina com um grande mistério a resolver. Ana fica intrigada ao perceber que quando as pessoas ao seu redor mexem a boca conseguem o que querem, seja na escola, seja na padaria, seja no mercado, e ela mexe a boca do mesmo jeito, mas ninguém a compreende.

A história traz ricas ilustrações que acompanham o texto em língua portuguesa. O material acompanha um DVD com o texto traduzido para Libras, a partir de um trabalho de tradução realizado pela pedagoga surda Luciane Rangel e pelo professor ouvinte Luiz Carlos Freitas. No vídeo, quem narra a história em Libras é o ator e cinegrafista surdo Nelson Pimenta, numa produção da LSB Vídeo. No DVD, além da contação de história, há uma seção de orientação pedagógica com a pedagoga surda Luciane Rangel, dando sugestões de trabalho com alunos surdos.


Fonte: porsinal.pt

Claudia Bisol criou o livro Tibi e Joca, que pode ser facilmente compreendido por crianças surdas e ouvintes. É a história de Joca, um menino especial, e o seu amigo Tibi. Joca é surdo. Juntos, eles fazem uma descoberta que mudará as vidas de Joca e sua família. Durante a história, descobrem que o personagem é um menino surdo nascido em uma família com pais ouvintes. Todos passaram por momentos difíceis até que começaram a usar a língua de sinais. O texto se apresenta em língua portuguesa, mas é rico em ilustrações. Com o objetivo de estimular a aprendizagem da Libras e facilitar aos surdos acompanhar o texto, um boneco-tradutor sinaliza as palavras-chave de cada página, para que o leitor ouvinte aprenda Libras e o leitor surdo acompanhe a história.

Você sabia?

Nem todos os textos que se propõem a trabalhar com a língua portuguesa e a Libras apresentam-se como bilíngues? Isso mesmo. Há materiais que apresentam a tradução para Libras como português sinalizado. Isso porque o texto não está traduzido com base no significado, mas apenas mostra o sinal de cada palavra, fazendo com que fique incoerente para o entendimento, principalmente das pessoas surdas.

Fonte: acervo fotográfico da autora

Textos como este de Os três porquinhos, publicados pela Brinquelibras, é um exemplo clássico de português sinalizado. A melhor opção para trabalhar a língua de sinais com crianças surdas ou ouvintes é o uso de materiais didáticos que vêm acompanhados de DVDs em Libras. Sinais em imagens, dificilmente equivalem à tradução cultural do texto, tendendo a apresentar uma tradução literal.

Com o objetivo de alertar para esse cuidado no momento da seleção dos materiais, Neiva de Aquino Albres publicou em 2010 uma obra que discute a inclusão de crianças surdas. A pesquisadora demonstra a diferença entre uma tradução literal e uma tradução de sentido, levando em conta a cultura linguística da língua de sinais. Veja o exemplo do trecho abaixo:

Fonte: acervo fotográfico da autora

Mesmo com a tradução para Libras sendo apresentada em desenhos dos sinais, a autora teve o cuidado de não traduzir um sinal para cada palavra, mas desenhar os sinais correspondentes mantendo a equivalência dos sentidos entre a língua portuguesa e a Libras.